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José Eduardo Sabo Paes
Promotor de Justiça da 2ª Promotoria de Justiça de Fundação e Entidades de Interesse Social, mestre em Direito e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade Complutense de Madri.

A fundação de direito privado, tipo especial de pessoa jurídica, caracteriza-se por ser um conjunto de bens com um fim social determinado, que a lei (art. 16 do Código Civil) atribui a condição de pessoa. A administração desse patrimônio transformado em pessoa é apenas um instrumento para o alcance das finalidades originalmente impostas pelos instituidores.

Na maioria dos países, qualquer fundação é velada por uma autoridade pública desde o seu nascimento até sua eventual extinção. Este velamento encontra respaldo nas mais variadas leis de cada país, v.g. a Lei nº 30/1994 que estabelece o regime jurídico e fiscal das fundações na Espanha. Com esta fiscalização procura se evitar qualquer alteração estatutária na administração da entidade, mormente mudança das finalidades estipuladas pelo instituidor, alienação ou desvio do patrimônio destinado à consecução de suas finalidades. No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro a autoridade pública para velar pelas fundações é sempre um representante do Ministério Público, por força do estabelecido no artigo 26 do Código Civil, abaixo transcrito: "Art. 26. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado, onde situadas." O Ministério Público que representa o Estado/Administração e que é a Instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, quando lhe incumbe, entre outros deveres, o da defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, bem como a preservação do patrimônio público (art. 127, da Constituição Federal), recebeu do legislador, já em 1º de janeiro de 1917, data da vigência do atual Código Civil, a incumbência e a convocação de velar e acompanhar os órgãos diretivos funcionais, vez que há realmente um interesse indisponível envolvido na constituição, administração e alcance das finalidades sociais de uma fundação de direito privado. Entendeu ainda o legislador ordinário, face ao preponderante sistema federativo consagrado em nossas últimas Constituições, que, caso as fundações estendessem suas atividades a mais de um Estado, caberia ao Ministério Público de cada Estado o encargo de exercer esta atividade fiscalizadora, aplicando-se ao Ministério Público do Distrito Federal a mesma competência destinada aos Ministérios Públicos estaduais. Desde então, o acompanhamento das fundações sediadas no Distrito Federal ou que nele atuem é realizado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, através de sua Promotoria de Justiça de Tutela de Fundações. Sendo esta a redação do atual Código Civil, art. 26: "§ 1º Se estenderem a atividade a mais de um Estado, caberá em cada um deles ao Ministério Público esse encargo. § 2º Aplica-se ao Distrito Federal e aos territórios não constituídos em Estados o aqui disposto quanto a estes." Surpreendemente, suprimiu-se do projeto de Lei que institui o Código Civil, ora aprovado pelo Senado Federal, a atribuição concernente ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios de velar pelas fundações situadas ou atuantes no seu âmbito geográfico. Suprimiu-se, também, na Câmara dos Deputados, a atividade fiscalizatória de todos os Ministérios Públicos estaduais quando as fundações estenderem suas atividades a mais de um Estado da Federação. Todavia, quando da tramitação do PL nº 118 no Senado Federal houve uma emenda de nº 12, de autoria do então Senador Fernando Henrique Cardoso que acrescentou ao art. 66 do Projeto um parágrafo no qual estabeleceu que se as fundações estendessem a atividade a mais de um Estado, caberá em cada um deles, ao Ministério Público local, esse encargo. A justificação da emenda salienta que o sistema do atual Código Civil "vem funcionando a inteiro contento ao longo dos anos". Observa, em seguida, que "o texto do Projeto pretende, sem razão plausível, alterar tal sistema, dispondo que as fundações que estendam suas atividades a mais de um Estado passam a ser fiscalizadas pelo Ministério Público Federal, e não mais pelo Ministério Público dos Estados em que desenvolvam seu trabalho." No mesmo passo, pondera as dificuldades para o Ministério Público Federal exercitar essa fiscalização ampla - o que é de evidência incontestável, a começar pela extensão do território nacional. Por isso reduz o poder fiscalizador do Ministério Público Federal ao Distrito Federal e a Territórios. Tal emenda por estas razões foi acolhida pelo ilustre Senador Josaphat Marinho, relator do Projeto do Código Civil no Senado Federal. O Projeto terminou por conferir ao Ministério Público Federal a competência de velar pelas fundações situadas no Distrito Federal ou em Territórios e ainda a excluir em definitivo a competência do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios de velar pelas fundações situadas no âmbito geográfico do Distrito Federal: "Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas. § 1º. Se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal. § 2º. Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público." A redação é infeliz, vez que não se encontra razão plausível para as alterações, neste ponto, do sistema de velamento e fiscalização das fundações. O legislador, ao estabelecer como atribuições do Ministério Público Federal o encargo de velar pelas fundações situadas no Distrito Federal e nos territórios, esqueceu-se de que já na Constituição de 1967, e expressamente na Constituição de 1988, art. 128, o Ministério Público, abrange o Ministério Público da União e o Ministério Públicos dos Estados, compreendendo o primeiro o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, cabendo a cada um deles exercer suas funções nas causas de competência das Justiças e dos Tribunais e da circunscrição territorial na qual atuam (Lei Complementar nº 75/93). Não cabe, por evidente inconstitucionalidade, atribuir ao Ministério Público Federal atribuições reservadas ao Ministério Público do Distrito Federal com competência, órgãos e carreiras distintas daquele. Conferir ao referido Ministério Público Federal o encargo de velar pelas fundações que estendam suas atividades a mais de um Estado seria inconstitucional, vez que o Ministério Público Federal somente funciona perante juizes e tribunais federais (art. 94 da Constituição Federal) e a Fundação de direito privado fiscalizada pelos Estados, onde têm sede, respondem judicialmente perante a Justiça comum estadual, não sendo possível que ela também responda perante a Justiça Federal em face do órgão que a fiscaliza, caso estendam suas atividades a outro Estado da Federação. O Poder Judiciário dos Estados deve continuar com a competência de julgar as causas relativas às fundações, exceto, por óbvio, se a matéria discutida envolve, num dos pólos da ação, órgão público federal que faça com que a causa seja atraída para a Justiça Federal. Ademais, no plano prático, a atividade de fiscalização seria muito mais difícil, vez que a estrutura do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios abrange todas as circunscrições judiciais do Distrito Federal e Territórios, atuando, desde 1988, de forma responsável e séria no velamento, acompanhamento e fiscalização das contas das fundações de direito privado que possuem sede ou que realizam atividade no âmbito do Distrito Federal. Por todas essas razões sucintamente expostas, urge retomar, neste ponto, a tradição de nosso direito, e espera-se que na Câmara de Deputados possa o projeto, recém-aprovado pelo Senado Federal, receber, neste ponto, o necessário reparo, voltando-se a conferir ao Ministério Público do Distrito Federal, ramo do Ministério Público da União, conforme previsão constitucional do art. 128, I, da Carta Magna, a incumbência de velar pelas fundações sediadas no Distrito Federal e nos Territórios, ou que neles estendessem suas atividades.

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