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por Marlene Vaz*

Ao assistir uma reportagem no "Fantástico", da Rede Globo, sobre a acusação de abuso sexual cometida pelo americano Michael Jackson, tive a chance de analisar os pais do pop star.

A mãe, como toda americana negra de meia-idade que ascende economicamente, usava uma peruca com cabelos sintéticos imitando o cabelo das americanas brancas. A cirurgia plástica facial era visível sob a maquiagem. Vestindo um suave tecido verde-água, num apuro metódico para apresentar-se como uma "mulher branca fina", um estilo planejado por algum profissional especialista em simulacro de imagens. Sentada numa cadeira estilo clássico, não levantava os olhos, não encarava a câmara televisiva.

Ao lado dela, o pai de Michael, juntos apenas naquela entrevista para defender a cria mina de ouro. Ele de cabelo pintado, alisado e cortado bem curto, numa infeliz tentativa de parecer branco. Vestido naquela "elegância americana", com terno de listras (aliás, listras não são adequadas para TV), uma enorme gravata brilhante, como um agressivo símbolo fálico. Para arrematar, um brinquinho de ouro. AH! Antes que me esqueça - sobranceiras depiladas e pintadas com hena, produto que Cleópatra usava. A diferença é que ela era linda (pelo menos a atriz Elizabeth Taylor, que viveu o mito na tela, era). Ele, o papai de Michael, era a mais nítida representação do imaginário daquele que não aceita crescer e envelhecer, vivendo na sua eterna Neverland.

O esforço do estilista do espetáculo valeu para o arquétipo de mãe maravilhosa. Quanto ao pai, não conseguiram disfarçar, em nenhum momento, a imagem do malandro (estou sendo elegante, senão eu diria - do salafrário).

Impressionou-me a dialética da mãe. Contida e ao mesmo tempo controladora dos despautérios que o ex-marido ameaçava declarar. Fiquei pensando quantos anos aquela mulher sofreu violência psicológica daquela figura deletéria que se diz homem e pai. O fim do casamento, provavelmente, deu a ela essa força para tentar evitar que ele "derramasse o caldo" e prejudicasse o filho. Porque, acima do cinismo, ele mostrou ser um americano que não foi à escola, ou se foi, perdeu tempo lá. Afirmou apenas, para se inocentar, que se tratava de "preconceito racial contra o filho".

A mãe falou com voz calma, mas pareceu nada dizer. A leitura de sua fala esteve flutuando nos gestos e nos símbolos. Com a mão, surpreendemente firme, ela tentava abaixar o braço, abaixar o dedo em riste fálico e calar a boca do réu não confesso. Com o cérebro lavado por alguma forma de religiosidade fanática, ela dizia que o filho estava sendo perseguido pela força do mal. E quem seria o mal? Isso ela não disse, o que me deu o direito de interpretar, pelos seus olhos baixos de vergonha, que meninos que sofrem violência sexual doméstica podem reproduzir o que aprenderam (e sofreram na carne) na idade adulta.

Por isso, peço-lhe perdão Michael, porque não pude interferir para que tivesse seus direitos de criança assegurados, especialmente os direitos sexuais. Por não ter podido lhe alertar que seu pai não lhe preparou para combater o racismo, mas para que se tornasse "branco". Perdão por sua mãe submissa, um caso clássico de desigualdade de gênero. Perdão por seus parentes e vizinhos omissos, pois não denunciaram a violência física, psicologia e sexual que você sofreu do seu pai e que posteriormente sua irmã mais velha, La Toya, denunciou numa entrevista globalizada, que você não desmentiu, e todo mundo fez de conta que não ouviu.

Perdão por seu pai não estar no banco dos réus.

E é por isso que nunca vou ter que pedir perdão aos meninos e às meninas do meu país, pois enquanto eu viver vou enfrentar essa violência sexual, mesmo que desagrade a meio mundo. Porque metade do mundo é muito pequena para me fazer desistir.

*Marlene Vaz - socióloga e pesquisadora

Artigo publicado pela Agência Baiana de Notícias

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