Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - Apelação 20100110045220APR

MPDFT

Menu
<

Órgão: 2ª Turma Criminal

Processo: Apelação Criminal 20100110045220APR

Apelante(s): E. L. S.

Apelado(s): M. P. D. F. E T.

Relator: Desembargador João Timoteo de Oliveira

Acórdão: 508.570

 

E M E N T A

 

PENAL. APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL. LEI 11340/06. TIPICIDADE DA CONDUTA DEMONSTRADA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA (ART. 44 DO CPB). POSSIBILIDADE. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA. VIABILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A Lei Maria da Penha veda somente a substituição de pena privativa de liberdade, por pecuniária (art.17).

2. Sob a regência do Direito Penal Comum, a violência perpetrada no crime de lesão corporal leve não é apta a obstar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O legislador buscou evitar a concessão do benefício da substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, somente quando a conduta praticada pelo réu merecer reprimenda mais firme do Estado. Isto é, a ameaça e a violência que se quis reprimir, de modo mais efetivo, foram àquelas das quais decorreram conseqüências graves.

3. Atendidos os requisitos objetivos e subjetivos, há que se reconhecer o direito do acusado à substituição da pena restritiva de liberdade; por restritiva de direito, excluídas as pecuniárias.

4. Recurso parcialmente provido.

 

 

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA - Relator, LEILA ARLANCH - Vogal, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, em proferir a seguinte decisão: DAR PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 26 de maio de 2011

Certificado nº: 1B 54 36 22 00 05 00 00 0F 69

31/05/2011 - 12:51

Desembargador JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA

Relator


R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação interposta em favor do acusado E. L. dos S. em face da respeitável sentença proferida pelo Juízo do 3ª Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Brasília/DF (fls.130/131V), que o condenou a uma pena de 03 (três) meses de detenção, no regime inicial aberto por ter infringido o artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal, c/c art. 5º, III, da Lei nº 11.340/06.

Segundo a denúncia, o apelante E. L. dos S., no dia 16/09/2009, entre 5h e 7h, por trás do Memorial JK, Setores Complementares, no Cruzeiro, Brasília/DF, teria ofendido a integridade física da vítima J. C. B., sua ex-namorada.

Consta da peça inicial que o acusado e a vítima estavam de carona em um veículo, juntamente com várias outras pessoas, estando a infortunada acomodada sobre o colo do réu e de uma amiga. Durante o deslocamento, o recorrente teria beliscado várias vezes J. C., ignorando os muitos pedidos para que parasse, causando-lhe dores e lesões corporais. Diante das agressões, a vítima pediu à condutora que parasse o veículo, sendo atendida, oportunidade em que, após ouvir de J. que esta não queria mais ter um relacionamento amoroso com ele, o denunciado deu-lhe uma rasteira e passou a agredi-la com chutes, vindo a ser impedido por um amigo.

O juízo a quo julgou procedente a pretensão punitiva estatal, atendendo integralmente o pedido constante da denúncia.

Segundo as razões recursais de fls. 144/153, a Defesa requer:

a) a absolvição do acusado por atipicidade da conduta, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal;

b) subsidiariamente, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou;

c) a suspensão condicional da pena.

Em contrarrazões (fls. 161/167), o Ministério Público requer o conhecimento e parcial provimento do recurso para que seja substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

A douta Procuradoria de Justiça, às fls. 176/181, oficiou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso para que seja concedido ao apelante o benefício da suspensão condicional da pena.

É o relatório.

V O T O S

O Senhor Desembargador JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA - Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.

Não havendo questões preliminares a serem analisadas, passo ao exame de mérito do recurso.

1. DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA

A materialidade e a autoria do delito restam amplamente comprovadas pelos seguintes documentos: Laudo de Exame de Corpo de Delito (fls. 109/110); Ocorrência Policial (fls. 06/08); bem como pela prova oral colhida.

Observa-se que as testemunhas ouvidas (E. M., fls. 82 e F. R., fls. 83) corroboram as declarações prestadas pela vítima J. C. (fls. 112) no sentido de que o acusado a agrediu com beliscões, além de infligir-lhe uma rasteira, vindo a derrubá-la ao solo, e atacá-la com chutes.

As lesões sofridas estão devidamente comprovadas pelo Laudo de Exame de Corpo de Delito (fls. 109/110).

Ressalte-se que o acusado em seu apelo não se insurge contra a materialidade e a autoria da conduta, conformando-se com o seu reconhecimento.

2. DA ATIPICIDADE DA CONDUTA

Pleiteia o apelante a absolvição do crime pelo qual fora condenado, aduzindo ser a conduta penalmente atípica, ante a ausência do dolo e da culpa, sustentando que os beliscões sofridos pela vítima trataram-se apenas de uma brincadeira íntima entre ela e o acusado.

Não merece guarida a tese da defesa.

Dos elementos coligidos aos fólios, depreende-se que o acusado beliscou diversas vezes a vítima de forma a causar-lhe as lesões descritas no laudo. Não há como afirmar que se tratava apenas de uma brincadeira, visto que a vítima por várias vezes lhe pediu para que parasse, manifestando que estava sentindo dores.

Ademais, após a condutora do automóvel parar o veículo, o réu deu uma rasteira na vítima, derrubando-lhe no chão, e partiu contra ela desferindo chutes, sendo contido por seu amigo L.. Vale a transcrição dos seguintes trechos de depoimentos:

(...) O acusado começou com gracinhas, querendo me beijar, mas eu disse que não queria mais nada com ele. A partir daí passou o réu a beliscar e arranhar as minhas costas e eu pedia para ele parar, mas o réu continuou a me agredir. Quando minha amiga F. percebeu que era sério, parou o veículo e nós saímos do carro, ocasião em que eu mostrei para todo mundo as lesões que o acusado me causou, as quais inclusive sangravam. Nesse momento o réu foi para cima de mim e me deu uma rasteira, jogando-me ao chão. O réu ainda tentou me agredir quando eu estava caída, mas um amigo dele o conteve. (...)” (J. C., vítima, fls. 112)

(...) J. então começou a reclamar dizendo ‘para o carro, ele está me beliscando, ele está me machucando!’. No começo não levou a sério pois estavam todos rindo. Depois viu que era sério e parou o carro. J. então lhe mostrou as costas já todas arranhadas e com hematomas. Ele realmente arranhou ela. As marcas dos arranhões estavam com sangue. Então ele passou uma rasteira violenta nela, que a fez cair no chão de costas. Chegou a ver ele armando para chutá-la. Acha que ele chegou a chutá-la. (...)” (F. R., testemunhas, fls. 83)

Resta plenamente evidenciado o dolo do autor de lesionar a infortunada, não havendo que se falar em atipicidade da conduta, razão pela qual nego provimento, neste ponto, ao apelo do acusado, mantendo a sua condenação nos termos da sentença.

3. DA DOSIMETRIA

Condenando o réu nos termos da denúncia, fixou o juízo a quo a pena nos seguintes moldes:

Atenta aos ditames dos artigos 59 e 68 do CPB, passo À dosimetria da pena.

A culpabilidade do réu é elevada, na medida em que poderia e deveria ter adotado conduta diversa. O réu é primário (fls. 24/25). Não há maiores informações sobre sua personalidade. Tenho que a vítima, com seu comportamento, contribuiu para a agressão. Não houve maiores conseqüências, eis que as lesões praticadas foram leves.

Atenta a essas diretrizes, fixo-lhe a PENA BASE EM 03 (TRÊS) MESES DE DETENÇÃO, a qual torno DEFINITIVA à míngua de quaisquer outras circunstâncias agravantes ou atenuantes, gerais ou específicas de aumento e diminuição a serem analisadas.

De acordo com o disposto no art. 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal, estabeleço o regime aberto para o cumprimento da pena.

Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, já que não preenche o réu o requisito objetivo, qual seja, a infração foi cometida com violência contra a pessoa” (fls. 131V)

Observa-se que a juíza sentenciante considerou elevada a culpabilidade, uma vez que o réu poderia e deveria ter se abstido da prática do delito. Entendo que merece reforma a sentença neste ponto.

Vejamos a disciplina de Cezar Roberto Bitencourt:

Por isto, constitui rematado equívoco, frequentemente cometido no cotidiano forense, quando, na dosagem da pena, afirma-se que ‘o agente agiu com culpabilidade, pois tinha a consciência da ilicitude do que fazia’. Ora, essa acepção de culpabilidade funciona como fundamento da pena, isto é, como característica negativa da conduta proibida, e já deve ter sido objeto de análise juntamente com a tipicidade e a antijuridicidade, concluindo-se pela condenação. Presume-se que esse juízo tenha sido positivo, caso contrário nem se teria chegado à condenação.

Na verdade, impõe-se que se examine aqui a maior ou menor censurabilidade do comportamento do agente, a maior ou a menor reprovabilidade do comportamento praticado, não se esquecendo, porém, a realidade concreta em que ocorreu, especialmente a maior ou menor exigibilidade de outra conduta.” (Tratado de Direito Penal, Parte Geral 1, 11ª edição, Ed. Saraiva, São Paulo, 2007, p. 576/577)

No caso em análise, não se pode considerar que o réu agiu com excessiva culpabilidade, não tendo praticado a conduta típica com maiores excessos ou por motivos mais reprováveis do que o normal.

O fundamento utilizado pela magistrada de primeira instância para considerar a culpabilidade elevada (a possibilidade e o dever de o réu agir de maneira diferente) são fundamentos para a própria configuração do delito e, consequentemente, para a condenação.

Assim, considero que todas as circunstâncias judiciais são favoráveis ao acusado.

Quanto à pena, foi fixada no mínimo legal (três meses de detenção), não havendo correções a serem feitas, ressaltando que a consideração da conduta da vítima como favorável ao acusado não tem o condão de reduzir a pena-base abaixo do mínimo legal. Não há agravantes/atenuantes ou causas de aumento/diminuição, razão pela qual a reprimenda foi corretamente tornada definitiva no mínimo legal.

Correta a fixação do regime aberto para cumprimento da pena, em atendimento ao art. 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal.

Quanto à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, entendo que o acusado faz jus ao benefício.

Certo é que o art. 44, I, do Código Penal, veda a substituição da pena quando o crime for praticado com violência ou ameaça contra a pessoa. Leve-se em consideração que estas disposições se referem a qualquer delito praticado contra as pessoas: e, não especificamente à Lei Maria da Penha. A Lei 11.340/2006, tem previsão específica sobre a vedação à substituição de penas privativas de liberdade. Nestes termos é a regência da Lei Especial:

Artigo 17 - “É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”

Portanto, o que não admite a Lei Maria da Penha; é que se substitua a pena corporal por pecuniária. Por quê? Porque é obrigação do réu custear o sustento da família.

Com referência a substituição da pena privativa de liberdade na Legislação Penal Comum, há que se observar, entretanto, que o legislador ordinário buscou evitar a concessão do benefício aos autores de crimes mais graves, cuja conduta mereça reprimenda mais firme do Estado. A ameaça e a violência que se quer reprimir de modo mais efetivo são aquelas das quais advêm conseqüências graves, com forte sofrimento psicológico ou físico da vítima em função da ação.

Sendo a ameaça ou a violência praticadas com grau leve, não há que se falar na impossibilidade da substituição da pena, quando esta se mostrar indicada a coibir a reiteração da conduta. Nesse sentido, colaciona-se ensinamento de Cezar Bitencourt, trecho da exposição de motivos do Código Penal, bem como o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Contudo, recomenda-se prudência no exame de todos os requisitos, mas especialmente deste, sob pena de imaginar-se equivocadamente, que não mais poderiam ser beneficiados com penas restritivas de direitos, entre outros, os crimes de lesão corporal leve dolosa (art. 129), de constrangimento ilegal (art. 146) e de ameaça (art. 147), pois são praticados com violência – o primeiro – ou com grave ameaça à pessoa – os outros dois. No entanto, essa limitação, criada pela lei em exame, não se aplica a crimes como os enunciados, pelo simples fato de se incluírem na definição de infrações de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/95) (...)” (Cezar Bitencourt, obra citada, p. 482/483)

26. Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outras para delinqüentes sem periculosidade ou crimes menos graves. Não se trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade.” (Exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal)

Art. 44 do Cód. Penal (aplicação). Pena de prisão (limitação aos casos de reconhecida necessidade). Lesão corporal leve e ameaça (caso). Substituição da pena possibilidade).

1. Tratando-se, como se trata, de lesão leve e de simples ameaça, a ofensa resultante daquela e a decorrente desta não dizem respeito à violência e à grave ameaça a que se refere o inciso I do art. 44 do Cód. Penal. 2. Violência e grave ameaça são resultantes de atos mais graves do que os decorrentes dos tipos legais dos arts. 129 e 147. Na lesão leve (ou simples), até poderá haver alguma violência, mas não a violência impeditiva da substituição de uma pena por outra; do mesmo modo, relativamente à ameaça, até porque, sem ameaça, nem sequer existiria o tipo legal. Assim, lesão corporal leve (ou simples) e ameaça admitem, sempre e sempre, sejam substituídas as penas. 3. A melhor das políticas recomenda, quanto aos crimes da espécie aqui noticiada, que se lhes dê tratamento por penas diferentes – substituição das privativas de liberdade por restritivas de direitos. 4. A norma penal prevê a possibilidade de se aplicarem sanções outras que não a pena privativa de liberdade para crimes de pequena e média gravidade, como meio eficaz de combater a crescente ação criminógena do cárcere. 5. Assim, mais vale o Direito Penal preventivo que o Direito Penal repressivo. Por sinal, o agravamento das penas, por si só, não constitui fator de inibição da criminalidade. 6. Habeas corpus deferido em parte, para se substituir a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade.” (STJ, HC 87644/RS, 6ª turma, Rel. Min. Nilson Naves, Julgado em 04/12/2007, DJe 30/06/2008)

Se não fosse está a exegese da Lei Penal Comum, nunca teria aplicação a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos nos delitos contra a vida (tentados) e nos próprios crimes de lesões corporais, o que se mostraria um absurdo uma assertiva como está, se observado o número de decisões em todos os tribunais que concedem substituições nestes crimes.

Assim, dou provimento ao recurso, neste ponto, para substituir a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, a ser executada nos termos a serem determinados pelo juízo da execução, vedada a substituições por penas exclusivamente pecuniárias.

Caso entenda diferentemente a Turma, passo à análise da possibilidade de concessão da suspensão condicional da pena.

Compulsando o feito, noto que o acusado atende aos requisitos objetivos e subjetivos expostos no art. 77 do Código Penal Brasileiro, fazendo jus à suspensão condicional da pena, razão pela qual dou provimento ao seu apelo neste tópico para conceder-lhe o benefício, suspendendo a execução da pena pelo prazo de dois anos.

Por todo o exposto DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo do réu E. L. dos S. para considerar a circunstância judicial referente à culpabilidade como favorável e para substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, a ser executada nos moldes determinados pelo juízo da execução, excluída a possibilidade de ser aplicada somente pena pecuniária ou de multa, mantendo a sentença recorrida em todos os demais termos.

É como voto.

A Senhora Desembargadora LEILA ARLANCH - Vogal

Com o Relator.

O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Vogal

Com o Relator.

D E C I S Ã O

DAR PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME.

 
.: voltar :.