"Dia a meu ver essencial, pois nos lembra que a crise de autoridade que vivemos nos dias atuais tem a ver justamente com esta ausência. Muitos filhos só da mãe estão por aí, nos faróis, usando drogas, perdidos clamando por um pai que lhes diga apenas: Filho volte para a casa, o que você está fazendo é errado!"
O texto considera a importância dos pais no processo de educação. No entanto, essa importância foi buscada mediante um acento na incompetência e falta de autoridade das mães: filhos só com mães estão, em sua grande maioria, envolvidos com delitos ou nos semáforos! Isso só pode significar que as mulheres são incapazes de, sozinhas, criarem pessoas "sadias" e "socialmente integradas".
O discurso para justificar a presença de pais no processo educativo deve passar por este caminho: incompetência de mulheres em formar "boas pessoas"? Os homens são os redentores dos filhos e filhas?
Esse posicionamento é discriminatório e reforça um discurso que a sociedade deve abandonar para a autonomia e a valorização de cada pessoa.
É verdade que o pai não pode ser figura apenas decorativa ou dispensável, mas a linha do texto traz uma mensagem que, consciente ou inconscientemente, é bem captada pela maioria e é repetida nas relações cotidianas.
Mas, felizmente, são diversas as leituras possíveis em torno de um mesmo assunto.
O jornal Folha de São Paulo de 10 de agosto de 2009, publicou matéria sobre o mesmo documentário, "Nada sobre meu pai". Traz uma abordagem relativa à visão das pessoas que têm, na certidão de nascimento, um asterisco no lugar do nome do pai, as chamadas "filhas de asterisco". Registram-se a frustração e o sofrimento dessas pessoas, que se ressentem da ausência do (re)conhecimento. O texto trata do conhecimento e da vivência da paternidade como caminho para a busca da própria identidade, e do direito que todos têm de conhecer a si próprio. Não há como não lembrar de Édipo Rei, e do aviso do Oráculo: "Conhece-te a ti mesmo"... Nada mais pertinente!!!
Como se vê, a leitura foi completamente diversa da que foi feita por Suely Pavan. A par de enaltecer a importância da figura paterna na formação do caráter das pessoas, o que é verdade, acabou veiculando uma mensagem - nada subliminar, diga-se de passagem - relativa à incompetência das mulheres para proverem, sozinhas, uma boa formação ao ser humano em desenvolvimento.
Na verdade, veiculou ainda uma mensagem muito negativa relativa à incapacidade das mulheres para escolherem bons reprodutores, que possam virar bons pais. Afirma a autora: "Muitas mulheres esquecem também das escolhas erradas que fazem ao engravidar de um homem que jamais terá condições psicológicas de ser um bom pai. Engravidam de qualquer um e depois não tem a menor condição de suprir as carências inevitáveis das crianças."
Ora, isso é de um determinismo absurdo, como se as escolhas amorosas e sexuais (boas ou ruins) das pessoas girassem em torno do biologismo!!! Isso sem falar nas tantas crianças que não são fruto de uma "escolha", de uma decisão consciente de suas mães, mas de um deslize, de um encontro de uma noite, de uma recaída em um relacionamento falido, de uma aventura...
Tudo isso faz com que a afirmação revele infantilidade, pouco conhecimento da natureza humana que beira o ridículo.
Não se pode acreditar em instinto - nem materno, nem paterno. Se houvesse um "instinto" por trás desses papéis sociais (maternidade e paternidade), definitivamente não haveriam crianças abandonadas, órfãs de pai e mãe, muitas vezes até mesmo vivenciando uma orfandade a três, com pai e mãe "presentes-ausentes". Pode ser algo extremamente controverso, mas é melhor acreditar na capacidade e na vontade de pessoas maduras dispostas a construir, alimentar e manter um vínculo afetivo por toda a vida. E capacidade e vontade são qualidades pertinentes a pessoas, não a gêneros. Por isso também é possível acreditar que mães solteiras, pais solteiros, casais homossexuais, heterossexuais, avós, todos, desde que dispostos a amar, ensinar a obediência a limites, estejam aptos a educar uma criança. Toda criança precisa ser adotada por seus cuidadores.
O texto de Suely Pavan também nos convida a refletir sobre o quanto somos adestrados para acreditar que à mãe compete "amar, limpar, adular e cuidar da criança" e ao pai compete "corrigir, reprimir e limitar" a criança. Será isso mesmo? Vamos continuar a reproduzir esses papéis capengas, essa semimaternidade, semipaternidade, sem questionarmos a que isso se presta? Por que nos conformarmos com esse amor menor de mãe e de pai, com essa divisão que enfraquece??? Por que não podemos ter e ser todo o pacote?
Na verdade, podemos acreditar que apenas um pai e uma mãe não são suficientes para suprir as necessidades de afeto de uma criança. Eles demandam tanto, têm tantas necessidades, todo o tempo, que é preciso uma rede de apoio para prover uma infância saudável - uma grande família, uma boa escola, babás, empregados, amiguinhos. Mesmo quem não é mãe pode testemunhar em quantas se desdobram suas amigas para suprir tudo isso...
Por isso, parece um bocado de covardia jogar, como sempre, a culpa na mãe que, irresponsavelmente, decide engravidar de alguém que jamais poderá ser um bom pai. O mesmo raciocínio deveria se aplicar, também, à mãe que decide engravidar sem ter condições financeiras para tanto, sem ter uma família que lhe dê suporte por perto. Crucifiquemos, então, a maternidade exercida por direito próprio, crucifiquemos e condenemos a maternidade exercida em condições "anormais" de temperatura e pressão!!! Aliás, quais mesmo seriam as condições ditas NORMAIS??? Há tanta gente egoísta, imatura e infeliz por aí, sem a menor condição de dar à luz um ser humano e que o faz...
Precisamos observar melhor o que estamos dizendo ou repetindo. É com a reflexão que cada pessoa e a sociedade podem evoluir. Por isso, acreditamos que a Humanidade avança com a Educação. Não a educação meramente formal. Mas, além dela, a Educação que a convivência diária com familiares, amigos, colegas, conhecidos, desconhecidos, proporciona.
Durante as audiências e nos pareceres em processos de guarda, visitas, separações e divórcios em que as mães relutam em oportunizar as visitas sob pretextos descabidos, é necessário sustentar com veemência, a importância do convívio paterno.
O pernoite na casa do pai pode ter início logo após o período de amamentação, as visitas devem ser facilitadas e, sempre que possível, aplicar o sistema da guarda compartilhada em substituição à antiga guarda exclusiva.
A atuação do sistema de justiça em sede de família deve ser no sentido de evitar que a conjugalidade frustrada afete o exercício da paternidade. O pai não é mero procriador, mas exerce uma função, vale dizer, possui uma vocação discursiva na medida que interdita o excessivo amor materno, a fim de assegurar a autonomia do filho, na medida em que introduz a lei e a cultura.
Como bem salientado anteriormente, em reforço à tese de Lacan, o pai necessita adotar o filho. Para tanto, a mãe precisa permitir que um terceiro, o pai, entre em cena, para ensinar a observância de limites. Caso contrário, o Judiciário, com a substancial intervenção do Ministério Público, deve forçar (porque muitas vezes a vontade materna se opõe) a entrada do pai na vida do filho, com vistas ao exercício igualitário das atribuições do poder familiar ou da autoridade parental. Isso porque a estrutura psíquica saudável dos filhos depende do cumprimento das obrigações maternas e paternas, com a finalidade de atender ao interesse superior da criança, princípio que decorre da doutrina da proteção integral, adotado pela Constituição brasileira de 1988 e pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989 e especificado no Estatuto da Criança e do Adolescente. Os filhos, portanto, devem deixar de ser exclusivamente filhos da mãe, para serem também filhos do pai.
Danielle Martins Silva
Marlouve Moreno Sampaio Santos
Pedro Oto de Quadros
Ronny Alves de Jesus