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Liberdade vigiada na escola

Projeto piloto de Conselhos de Segurança Escolar em cinco colégios selecionados pelo Ministério Público começa a reduzir a violência em dois deles. No Setor Leste, medo das gangues afasta 18 dos 30 conselheiros

Samanta Sallum e Renato Alves
Da equipe do Correio


Wanderlei Pozzembom 28.8.03

escola

Conselheiros da Escola Classe 60, da Expansão do Setor O de Ceilândia, comemoram o fim da violência na escola, onde em 2002 um aluno foi assassinado a tiros por um colega

Wanderlei Pozzembom 28.8.03

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Michel (C) e Júlio (2º, atrás): conselheiros

Wanderlei Pozzembom 28.8.03
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Edmilson Carneiro e Marcos Silva: rap do bem na EC 60

Cinco escolas, cinco histórias de violência. Histórias, porém, que começam a ser reescritas como exemplos de que é possível enfrentar a criminalidade. Elas foram escolhidas pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) para integrar o projeto piloto dos Conselhos de Segurança Escolar. Na Ceilândia, participam a Escola Classe 60 e o Centro de Ensino 20. No Plano Piloto, o Setor Leste. E, em Samambaia, o Centro de Ensino 619 e o Centro de Ensino Médio 123.

Há um ano, o Ministério Público tenta colocar em prática o projeto. Mas somente há três meses ele começou a se tornar realidade. Ele prevê a criação de um grupo com representantes de pais, alunos, professores e funcionários da escola para desenvolver projetos de combate à violência. Por fazer parte do programa, as cinco escolas garantiram o direito de ter policiamento fixo.

A idéia do projeto nasceu depois de uma pesquisa da Comissão de Segurança Escolar, criada em maio de 2002, pelo MPDF. O levantamento mostrou que as escolas de Samambaia são as que mais registram ocorrência de atos ilícitos. Em seguida, estão Recanto das Emas, Santa Maria e Ceilândia (leia quadro).

O Plano Piloto está em 11ºlugar no ranking geral da violência nas escolas, mas em dois itens da pesquisa aparece em quarto lugar: no uso e no tráfico de drogas. O estudo revela que 40% das escolas públicas no DF admitem que há alunos usando entorpecentes. As conclusões da pesquisa foram retiradas de questionários respondidos pelos diretores, em 2001. Foram pesquisadas todas as 590 escolas de ensino público, que somam cerca de 600 mil alunos.

A pesquisa mostrou que em 95% das escolas com turno noturno havia deficiência de iluminação até o ponto de ônibus mais próximo e que, em 53%, há venda de bebida alcoólica próximo à área do colégio, o que é proibido por lei. ‘‘Do período da pesquisa para cá, nossa preocupação só aumentou. A tendência desses números só é piorar. Por isso, estamos empenhados em criar os conselhos em todas as escolas do Distrito Federal’’, destaca o promotor Rubin Lemos, da Comissão de Segurança Escolar do Ministério Público. A pesquisa foi realizada por ele e pela promotora Luísa de Marillac.

‘‘A violência não tem que ser combatida só pela polícia. A comunidade escolar sabe muito mais dos seus problemas e como combatê-los’’, afirma o comandante do Batalhão Escolar, major Hevaldo Marques Viegas, que aprova o projeto do Conselho de Segurança Escolar.

A Secretaria de Educação também está engajada no projeto.‘‘Os conselhos funcionam como uma ponte entre as escolas e os órgãos do governo’’, diz a professora Maria José Bonfim, representante do governo no gerenciamento dos conselhos. O Correio visitou três das cinco escolas que participam do projeto da Comissão de Segurança Escolar e encontrou realidades diferentes. Enquanto duas conseguiram deslanchar o projeto, uma enfrenta dificuldades.

 

estatistica


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"No início, achei meio chato. Pensei que eu fosse ser dedo-duro. Mas depois vi que as coisas estavam funcionando. Que a escola podia atender aos pedidos dos alunos, como a reforma da quadra de esporte"

Júlio dos Santos, aluno da 7ª e conselheiro da EC 40

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Alunos da Ceilândia encontram a paz

Quatro tiros mancharam de sangue o pátio da escola e provocaram uma onda de medo que resultou na saída de 40% dos alunos. Clayton Alves de Lima, 16 anos, morreu baleado por um colega de sala, com quem tinha desavenças. O crime, que aconteceu em abril de 2002, traumatizou professores, alunos, pais e funcionários. A Escola Classe 60 da Ceilândia, porém, não se rendeu e com a ajuda do Ministério Público se empenhou num movimento de recuperação. Hoje, ela é outra, graças ao Conselho de Segurança Escolar.

Se a pesquisa do MPDF fosse realizada hoje, provavelmente a escola, que tem cerca de mil alunos, não faria mais parte do grupo de 35% dos colégios que registraram ocorrências com porte de armas. A professora Sonilda de Fátima Santos lembra quando teve um revólver apontado para a cabeça em plena sala de aula, porque tinha punido o aluno com suspensão.

‘‘Ele tinha colocado fogo no mural. Tentou me intimidar e tive de chamar a polícia. O aluno chegou a fazer três disparos para o alto no pátio da escola. Depois pediu desculpas’’, conta Sonilda, que não se intimidou e hoje é presidente do Conselho de Segurança da escola.

Raimundo Nonato, 46 anos, representante dos pais no conselho, também conta que sua relação com a escola mudou. ‘‘Minha filha presenciou a morte do Clayton. Depois disso, eu quis tirá-la do colégio. Mas agora, com o conselho de segurança, vimos que é possível trazer a paz novamente para cá’’, diz.

Depois de enfrentar uma evasão de 40% dos alunos, a escola está lotada. Alunos esperam por vagas. ‘‘Hoje nossa escola recebe uma atenção especial dos órgãos de governo, porque participamos do programa do Ministério Público. Conseguimos policiamento fixo e apoio da administração regional para fazer reformas’’, comemora a diretora, Rosângela Rodrigues dos Santos. A escola acabou de conseguir dez computadores para oferecer aulas de informática.

Os dois alunos que fazem parte do conselho passaram por um processo de conversão. Antes considerados rebeldes, hoje são exemplos. O comportamento e as notas melhoraram. ‘‘No início, achei meio chato. Pensei que eu fosse ser dedo-duro. Mas depois vi que as coisas estavam funcionando. Que a escola podia atender aos pedidos dos alunos, como a reforma da quadra de esporte’’, conta Júlio dos Santos, 18 anos, aluno da 7ªsérie.

O colega Michael da Silva, de 17, é responsável pelo som no recreio. ‘‘Trocamos o funk, as músicas mais violentas por rock e axé. Antes a galera brigava, agora todo mundo dança.’’


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Estudantes temem os pichadores


Kléber Lima 28.8.03
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Portões trancados no Setor Leste: violência de gangues desestruturou conselho escolar

Wanderlei Pozzembom 28.8.03
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Amarildo e Kennya, na EC 619: carteiras para entrar

Kléber Lima 28.8.03
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Setor Leste ganhou policiamento permanente

Kléber Lima 28.8.03
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Pichações no Setor Leste: gangues amedrontam alunos

O medo de ser tachados de dedo-duro por adolescentes infratores provocou a debandada de 18 dos 20 alunos que integram o Conselho de Segurança do colégio Setor Leste, na 611 Sul. Criado para tentar colocar um freio na violência que amedronta os 2.700 alunos da escola, o conselho foi desestruturado pela ação de três gangues de pichadores que já demarcaram território dentro e fora dos limites da escola.

‘‘Muitos estudantes nunca participaram de uma reunião do conselho porque os pais sentem medo de que eles fiquem marcados’’, conta a vice-diretora da escola, Alba Regina Ribeiro. Segundo ela, a violência foi responsável pela maior parte dos 130 pedidos de transferência recebidos pela direção.

As colegas T.R.M. e P.P.L., ambas de 16 anos e alunas do segundo ano do Setor Leste, estão entre os que deixaram o conselho. ‘‘A maior parte dos alunos interpreta de forma errada a função do conselho. Ele não existe para punir ninguém, mas para buscar soluções. Mas nossos pais ficam preocupados com as notícias de violência’’, pondera P.P.L..

Mesmo com as intimidações, a direção do Setor Leste acatou as sugestões do conselho e tomou algumas medidas contra a violência. As principais são o cercamento de toda a escola e o controle mais rígido na entrada e saída dos estudantes dos três turnos.

A partir de amanhã, os alunos começam a receber cadernetas com fotos e nomes. Já os professores e funcionários vão ganhar um adesivo personalizado para pregar nos carros. Até o fim da semana, a identificação será obrigatória para o acesso ao colégio, que ainda abriga um clube e uma academia de ginástica, abertos à comunidade.

Na mais grave e recente ocorrência de violência no Setor Leste, um estudante de 17 anos foi baleado na parada de ônibus em frente ao colégio, no dia 18 de agosto. A polícia suspeita de uma rixa entre a Grafiteiros Sem Janta (GSJ) — gangue que atua principalmente na Asa Sul — e a Legião Unida pela Arte (LUA), com influência no Riacho Fundo e em Samambaia. Ninguém ainda foi preso.

Diretor do Setor Leste desde o começo de 2003, Luiz Gonzaga Lapa aponta a dimensão do terreno e a falta de funcionários como as maiores dificuldades para controlar a freqüência. ‘‘Temos uma área de 74 mil metros quadrados e nenhum funcionário na área operacional para fazer o trabalho de vigilância’’, diz ele. Há três anos, as câmeras e monitores do circuito interno de TV, eficientes mecanismos de vigilância, estão quebrados.

A escola também enfrenta o problema da falta de iluminação. A maioria dos postes está com a lâmpada quebrada. A escuridão aumenta com as sombras das árvores, que encobrem bebedeiras e o uso de drogas.

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Entrada restrita a quem se identifica

A última ocorrência de violência no Centro de Ensino 619 de Samambaia foi registrada em maio. Não passou de uma briga com tapas e puxões de cabelos entre duas alunas. E é o único caso deste ano na escola de 2.300 alunos, distribuídos pelos três turnos.

Incluído no programa piloto de combate à violência do Ministério Público, Secretaria de Educação e Secretaria de Segurança Pública, o Centro de Ensino 619 de Samambaia conseguiu afastar a criminalidade com medidas severas. A principal é a que restringe o acesso à escola. O único portão, de ferro, só é aberto ao aluno que mostrar a carteira estudantil emitida pelo Centro de Ensino. O documento é retido, levado à diretoria e devolvido ao estudante somente no momento dele ir para casa.

A idéia de confeccionar as carteirinhas surgiu no fim do ano passado. ‘‘Foi a melhor coisa que inventaram. Dava medo de trabalhar aqui. Cruzávamos com todo tipo de gente, que não tinha nada a ver com a comunidade escolar’’, conta a orientadora educacional Kennya Teles Fernandes, 28 anos.

Até 2000, o Centro de Ensino 619 de Samambaia recebia adolescentes do Centro Atendimento Juvenil Especializado (Caje), que freqüentavam a escola por meio do benefício da liberdade assistida. ‘‘Eles nos intimidavam, nos ameaçavam’’, lembra Kennya Fernandes.

Hoje, Kennya é diretora do Conselho de Segurança Escolar e destaca a participação dos pais nas reuniões pedagógicas do colégio como ferramenta de combate à delinqüência. ‘‘Os pais sempre vêm à escola quando chamados e querem saber como está o rendimento dos filhos.’’

O pedreiro José Antônio Silva Filho, 47, é um dos pais presentes na vida do filho. ‘‘Se eu não olhar por ele, um traficante vem e toma conta’’, diz. Para convocar os pais, a direção manda carta a cada reunião, dando 48 horas para o responsável pelo aluno comparecer à escola.

‘‘Mandamos o recado lembrando que a falta não justificada nos obriga ao acionamento dos órgãos responsáveis, como o Conselho Tutelar. Ainda bem que não precisamos abrir nenhum processo contra algum pai’’, comenta o diretor do Centro de Ensino 619 de Samambaia, Amarildo Reino de Lemos. (R.A. e S.S.)

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