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 Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

A previsão da primeira inumação humana, conforme feito em artigo publicado recentemente neste jornal, é muito conservadora em termos de qualidade técnica. Pelo menos é o que nos diz o sítio arqueológico de Sunghir, na Rússia, situado a menos de 200 quilômetros de Moscou. Sítio arqueológico é um local onde pessoas muito antigas, ditas pré-históricas, deixaram vestígios materiais de sua existência, como os próprios esqueletos e lixo em geral (artefatos, restos de comida, fogueiras, etc.). Quando não há conservação de traços humanos, e sim de material fossilizado de animais e/ou plantas, o sítio se chama paleontológico.

Em Sunghir, escavações localizaram sepulcros em excelente estado de conservação, que remontam a um período de cerca de 28 mil anos atrás, de acordo com o cálculo de radiocarbono. Esse método de datação foi desenvolvido e aplicado pela primeira vez em 1950, e consiste no seguinte: o átomo de nitrogênio se transforma em carbono 14 na atmosfera e, com oxigênio, é absorvido pelos organismos vivos. No momento da morte do organismo, o C14 decai 28 vezes por minuto em uma amostra de dois gramas; 5.730 anos após, ocorrem 14 decaimentos, e 11.460 anos depois, são sete os decaimentos por minuto.

Os túmulos de Sunghir preservaram intactos os corpos de um homem de uns 60 anos, e os de dois jovens, de 8 e 13 anos, provavelmente uma moça e um rapaz, que foram depositados juntos, cabeça com cabeça (além de um corpo sem cabeça, de sexo indefinível, e um crânio feminino, ambos adultos). O homem foi adornado com 2.936 contas e fragmentos em linhas espalhadas pelo corpo; o menino putativo, com 4.903; a suposta garota, com 5.274. Foram providenciados, também, além das mortalhas, vários enfeites, como braceletes, pingentes, alfinetes, lanças, dentre outras alfaias. Cada uma das mais de 13 mil peças demandou mais de uma hora para ser produzida. Um detalhe que eu, particularmente, acho delicado, são as mãos cruzadas sobre a pélvis.

Qualquer curioso que examinar as fotos (acessos na internet são bem fáceis) fica logo intrigado sobre o que os achados arqueológicos poderiam dizer sobre o povo de Sunghir: quem eram essas pessoas? Compunham uma família? Uma família real, por acaso? Ou todos eram enterrados com o mesmo esplendor? Morreram do quê? Como viviam? Quantos eram? Os juristas querem saber: quem mandava e quem obedecia?; quem fazia as leis e quem as aplicava?

Sem o registro de documentos escritos, além de pessoal com competência para decifrar línguas extintas, essas indagações jamais terão uma resposta satisfatória, motivo porque o período iletrado da humanidade se chama "pré-história". A "história" propriamente dita só teria início com a escrita, o que, curiosamente, representa menos de 1% de toda a nossa trajetória. Às vezes me pergunto o que os atuais diários oficiais, repertórios de jurisprudência e dissertações de mestrado, poderão testemunhar sobre nós no próximo período integlacial.

Quando o assunto é pré-história, não adianta escavarmos em busca de certidões de nascimento e de óbito, contratos, testamentos, essas coisas. Precisamos correr um risco muito maior posto que inevitável, que é o de nos contentarmos com o pouco de que dispomos, de tal modo que cada detalhe pode ser superdimensionado. Senão, vejamos:

1) um caco de cerâmica pode acabar sendo interpretado como o fragmento de um penico imperial e, assim, insinuar que o sistema jurídico era altamente verticalizado ou até escravocrata;
2) um pedaço de osso de frango pode implicar a domesticação desse tipo de animal o que, por sua vez, sinaliza para uma sociedade de sedentários que dominavam técnicas pecuárias, e não de caçadores-coletores. Em geral, estes são rígidos quando o assunto é controle demográfico e têm prole pequena e espaçada;
3) alta incidência de cáries podem significar mais consumo de carboidratos do que de proteínas, ou seja, que o povo talvez fosse matrifocal ou matrilinear, hipótese em que as mulheres exerciam atividades importantes e gozavam de grande prestígio. Aquela história de homens batendo com porretes é uma grosseira mistificação.

Jornal de Brasília

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