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Fausto Rodrigues de Lima

Promotor de Justiça

Está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) o pedido de extradição de Manuel Cordero, preso no Brasil em 26/2/2007. A Argentina e o Uruguai pretendem julgá-lo por crimes de quadrilha, seqüestro e desaparecimento forçado de pessoas durante a "Operação Condor" (união dos ditadores militares do Cone Sul, inclusive do Brasil, para perseguir e aniquilar os opositores na década de 1970). Será a primeira decisão brasileira sobre o assunto.

Os ministros do STF estão diante de uma missão difícil, que repercutirá na História. É que todos os países do Cone Sul revogaram as leis que anistiavam os ditadores, com exceção do Brasil.

Assim, se aceitar a extradição, o STF admitirá que os crimes praticados foram comuns, pois nossa Constituição não admite extradição para crimes políticos, que, na definição do próprio STF (HC 73.452/RJ), referemse a "atentados contra a soberania nacional e a estrutura política". Assim, os crimes praticados pelos ditadores brasileiros se submeterão à investigação e punição, pois não foram anistiados pela lei de 1979. Seria o primeiro passo para abolição da impunidade.

Nesse trilhar, o procurador-geral da República, Antônio Fernando, acatou o pedido de extradição pelo crime de seqüestro, o qual não prescreve enquanto a vítima continuar desaparecida.

Infelizmente, o ministro Marco Aurélio votou contra a extradição, alegando que os desaparecidos são presumidamente mortos. Assim, afastou a acusação de seqüestro, restando o crime de homicídio, já prescrito. Aguardam-se os votos dos outros ministros.

Enquanto o STF não decide, um juiz da Itália expediu ordem de captura internacional de 13 brasileiros, inclusive do falecido general-presidente João Batista Figueiredo. O recado é claro: "Se vocês não julgam violações de direitos humanos, deixem que nós o fazemos." O pedido representa uma humilhação suprema à Justiça e à democracia brasileiras. Essa atitude foi inaugurada, com sucesso, pelo juiz espanhol Baltazar Garzón, que, em 1998, determinou a prisão do general Augusto Pinochet, incentivando seu julgamento perante os tribunais chilenos.

Em visita recente ao Brasil, Garzón declarou: "Chegará o momento em que os brasileiros terão de se perguntar sobre o papel da Justiça." É fato que, em razão do tempo transcorrido, não se conseguirá punir muitos envolvidos. No entanto, a simples descoberta da verdade é um direito da nação, das vítimas e de seus familiares. Crimes para serem investigados não faltarão. Nos últimos dias, encontrou-se mais uma ossada no cemitério clandestino de Perus, São Paulo, desta vez do espanhol Miguel Sabat Nuet, preso em 1973.

A ditadura fez do Judiciário um mero capacho e amordaçou seus membros. Há 40 anos, os ditadores implementaram o Ato Institucional no5, que culminou com a intervenção no STF e a expulsão de três ministros, que ainda insistiam em defender as liberdades e os direitos dos cidadãos. Espera-se que nossa Corte Suprema reescreva a história, com a estatura que lhe foi conferida pela Carta de 1988. Só assim poderemos impedir que o passado se reflita (ou repita) no futuro.

Jornal O Globo

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