Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - Anistia e covardia à brasileira

MPDFT

Menu
<

Fausto Rodrigues de Lima
Promotor de Justiça do MPDFT

Golpes, revoluções ou guerras geralmente são seguidas de violência desmedida, cujo ápice é a tortura. Quando alcançam uma mínima normalidade democrática, as nações tentam reconciliar o povo, apurando a verdade, para a construção de um futuro. Nesse processo, uns optam por punir os responsáveis, como faz a Argentina e o Chile contra os militares que usurparam o poder na década de 70. Outros evitam a punição, porém apuram as responsabilidades, obrigando os culpados a reconhecerem a violência praticada, como no apartheid da África do Sul ou na guerra civil da Libéria, onde o general Joshua Milton Blahyi confessou, no início deste ano, ter sacrificado crianças e devorado seus corações.

O Brasil não fez uma coisa nem outra. Os militares golpistas de 1964, após anos torturando e assassinando cidadãos brasileiros (e também estrangeiros, por meio da Operação Condor, que uniu ditadores do Cone Sul), impuseram, em 1979, uma Lei de Anistia, em que foram os grandes beneficiados. Convidaram a população a esquecer seus atos, como se nada tivesse acontecido. Estabeleceram uma espécie de censura definitiva, para encobertar torturadores e o alto comando, que lhes dava ordens. Em troca, concederam “perdão” aos “inimigos do regime”, alguns comunistas e outros que, sem matiz ideológica, apenas se opunham à ditadura. Os sobreviventes das torturas e os exilados pouco ganharam, pois já tinham sido ilegalmente “punidos”.

Reinstalada a democracia, os políticos que apoiavam a ditadura continuaram no poder, exercendo o controle daquela transição “lenta, gradual e segura”, como debochava o general Geisel.

Em repulsa ao governo militar, o povo brasileiro elegeu os presidentes Fernando Henrique e Lula, confiando em seu passado de contestação ao regime. Esperava-se que, no mínimo, abrissem os arquivos secretos ou apurassem as faltas cometidas. Ambos, porém, acovardaram-se. FHC manteve o sigilo dos documentos e Lula ensaia, há 7 anos, liberá-los. Contraditoriamente, estipularam indenizações às vítimas, a serem suportadas pelos cofres públicos, obrigando o povo brasileiro a pagar a conta do desatino ditatorial, sem sequer garantir-lhe o direito à verdade.

Recentemente, Tarso Genro, ministro da Justiça de Lula, contestou a Lei de Anistia, sustentando que o perdão se referia apenas aos crimes políticos, e não à tortura. Tem razão o ministro. Porém, há um fundamento mais forte para impedir a impunidade: as convenções internacionais não permitem anistia a torturadores, pois "são inadmissíveis as excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis pelas violações de direitos humanos, tais como tortura, execuções sumárias, desaparições forçadas, porque se contrapõe aos direitos humanos inderrogáveis”, como lembra a juíza paulista Kenarik Boujikian Felipp. Assim tem decidido a Corte Suprema da Argentina, ao permitir a punição daqueles que cometeram crime de lesa-humanidade durante o regime militar. Somente neste ano, um general (Luciano Menendez) foi condenado à prisão perpétua e o Tribunal aceitou processar um ex-ministro de estado (Alfredo Martínez de Hoz). O Chile e o Uruguai também anularam suas leis de anistia e estão processando os ditadores.

Lula, porém, não entendeu assim. Mandou seu ministro ficar quieto. Sugerem alguns que o presidente teme os militares. Esse argumento não é crível. Nas forças armadas há comandantes responsáveis e com espírito democrático. Houve aqueles que, mesmo sem concordar com o governo de João Goulart, se opuseram ao golpe que o depôs em 1964, por não admitirem que a vontade das urnas fosse violada por ditadores da direita ou da esquerda. É claro que ainda existem os paranóicos que, parados no tempo, acreditam que há comunistas prontos para dominar o mundo. Estes, porém, não têm nenhum respaldo nas fileiras atuais do exército.

Para suprir a omissão do governo, o Ministério Público brasileiro tem agido pontualmente, requerendo à Justiça a abertura dos arquivos. Procuradores da República em São Paulo buscam, inclusive, a punição civil para acusados de tortura, visando indenizar as vítimas e seus familiares.

Enquanto a justiça não chega, resta ao povo brasileiro lamentar a pouca coragem dos governantes de nossa imatura democracia.

Jornal de Brasília

.: voltar :.