Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça do MPDFT

Ainda sobre o dote: não tenho a mínima dúvida de que muitas mulheres - e, se me permitem, alguns homens - casaram-se como quem dá um passo no cadafalso. Fizeram-no desgostosas, contrariadas por premências da vida. Seja porque as amigas todas já o haviam feito (ou ao menos as irmãs mais novas), seja por temor reverencial, seja por medo da solidão, seja porque não queriam ficar para titia, seja porque desejavam ter filhos, seja por pena do noivo, seja por pena da mãe do noivo, seja por uma combinação desses fatores ou de outros pouco ou menos nobres ou românticos.

Mas os derradeiros passos em cima do cadafalso ela deu com as próprias pernas. De acordo com o Código Civil de 1916, art. 197, "a celebração do casamento será imediatamente suspensa, se algum dos contraentes: I - recusar a solene afirmação da sua vontade; II - declarar que esta não é livre e espontânea; III - manifestar-se arrependido". O Código Civil atual, de 2002, não mudou uma única letra desse dispositivo, mas apenas o número do artigo; agora é o 1538.

Veja que o exercício da liberdade não é apanágio exclusivo do matrimônio, e sim elemento necessário de todos os negócios. Vontade é característica absolutamente primordial de todos dos atos jurídicos, e contrato é o resultado de duas vontades que se encontram. Daí que eventuais defeitos constitutivos, como erro, ignorância e coação, viciam a manifestação de vontade e contaminam seus efeitos, por vezes de modo irremediável.

Ainda assim, o oficial do cartório não pergunta se o sujeito quer vender seu apartamento por livre e espontânea vontade. O simples fato de ele ter ido fazer a escritura já é uma expressão óbvia disso. A pergunta solene e fatídica é feita pela autoridade religiosa ou juiz de paz como uma garantia simbólica acerca da relevância do acordo do casamento. Este é a celebração do amor apenas em perspectiva axiológica, não como o reconhecimento de um fato consumado. O amor está para o casamento assim como a justiça está para o direito.

Jornal de Brasília