Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - Xixi de rua: uma questão de saúde e segurança públicas

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Rogerio Schietti Machado Cruz
Procurador de Justiça do MPDFT

No clima da Copa, hordas de brasileiros se aglomeraram nas ruas das cidades para acompanhar os jogos, em telões ou em televisores instalados em locais públicos. Regados a cerveja, foliões do futebol repetiram uma cena que já se tornou rotina nos centros urbanos: a transformação do espaço público em banheiro coletivo.

No Rio de Janeiro, que passa, já há certo tempo, por um politizado "choque de ordem", cento e dez pessoas foram presas por fazer xixi nas ruas, durante os jogos do Brasil na Copa do Mundo. Não custa lembrar que a Cidade Maravilhosa possui um histórico nada animador na área da saúde pública.

Recordemo-nos de que, no início da República, as condições sanitárias na antiga capital do país eram bem precárias, o que favorecia a proliferação de epidemias que elevavam a taxa de mortalidade a 52 pessoas em cada mil habitantes (dados de 1893). A situação era tão alarmante que o governo inglês concedia a seus diplomatas um adicional de insalubridade pelo risco que corriam representando Sua Majestade em terras brasileiras.

O quadro não se alterou muito nos primeiros anos do século XX, o que levou o governo do presidente Rodrigues Alves a adotar uma série de medidas drásticas. Pereira Passos, então prefeito nomeado pelo Presidente da República, auxiliado por Oswaldo Cruz, diretor do Serviço de Saúde Pública, desejando fazer do Rio uma réplica tropical da Paris reformada por Haussmann, decretou diversas medidas que interferiram no cotidiano dos cariocas, particularmente no dos ambulantes e mendigos. Proibiu cães vadios e vacas leiteiras nas ruas; mandou recolher a asilos os mendigos; proibiu a cultura de hortas e capinzais, a criação de suínos, a venda ambulante de bilhetes de loteria. Mandou também que não se cuspisse nas ruas e dentro dos bondes, e que não se urinasse fora dos mictórios.

Opa, isso foi há cem anos? É, nossos hábitos parecem não ter sofrido sensível mudança, inclusive no que diz respeito à tentativa oficial de banir esse infeliz costume da parte incivilizada da população, nem sempre composta por moradores de rua a quem, sejamos justos, não se disponibilizam locais adequados para suas recorrências do aparelho digestivo e urinário. O problema, como dito, não é só do Rio, mas de todos os centros urbanos. Em Salvador, por exemplo, a questão assumiu contornos ainda mais graves, com a prefeitura se vendo obrigada a recuperar dois viadutos e quinze passarelas, cujos pilares foram corroídos pela urina daqueles que não se acanham na hora do aperto. A intenção foi a de evitar a repetição da tragédia ocorrida em 2007, durante um jogo de futebol no Estádio da Fonte Nova, onde uma arquibancada com pilares carcomidos pela urina acumulada há anos desabou, ceifando a vida de sete torcedores.

Para um país escolhido para sediar dois eventos de magnitude mundial - a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016 - é mais do que chegada a hora de se promover uma mudança desses e de outros costumes bem tolerados na linha abaixo do Equador, mas incompatíveis com um país que postula um novo espaço no cenário mundial.

Não nos parece, todavia, que se deva usar o sistema penal para coibir essas práticas ilícitas. O recurso à prisão, ainda que por pouco tempo - como se fez no Rio de Janeiro - não se mostra proporcional e necessário para essas pequenas incivilidades. É dizer, a falta de educação de alguns deve ser punida sim, mas por outros instrumentos de controle social menos agressivos.

Basta, para tais casos, uma pronta atuação da polícia administrativa, com imposição de multas que sejam efetivamente cobradas do infrator. Já é hora, também, de contarmos, no Brasil, com sanitários públicos em condições de serem utilizados por qualquer cidadão. Ademais, se desejamos provar que Otto Lara Resende foi injusto ao dizer que o mineiro (e por que não dizê-lo de todo brasileiro?) "só é solidário no câncer", seria muito bem acolhida a atitude dos comerciantes em permitir que qualquer pessoa ingresse em seu estabelecimento para fazer xixi. A não ser assim, alguém vai reclamar do mau cheiro na calçada.

Correio Braziliense

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