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Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça


Ontem, na primeira parte deste artigo, recapitulei uma importante pergunta colocada pela filosofia moral: a questão da obrigatoriedade dos valores. O maior jurista que o Brasil já teve, Miguel Reale, enfrenta o tema e explica que isso acontece porque os valores "representam o homem mesmo como autoconsciência espiritual". O que se quer dizer é que a tomada de decisão do indivíduo diante de uma situação concreta é fruto da dinâmica que se estabelece entre anseios pessoais e contextos culturais plasmados pela história e pelo direito, compartilhados por todos os demais indivíduos e passível de diferentes conseqüências.

O homem adulto é aquele que amadureceu o suficiente para ter absorvido os valores culturais de modo crítico, ou seja, que atravessou as fases mais infantis da vida e passou a refletir sobre o preço de certos padrões normativos, e se comportar de acordo ou desacordo com eles. Tudo tem um preço. Maturidade é a capacidade de calculá-lo com mais rigor.

O preço pode ser psicológico quando existe uma simples adaptação do comportamento pessoal em relação ao que lhe é exigido naquele momento. Alguns especialistas chamam isso de "comportamento sem objetivo", e é visível no Direito quando as normas jurídicas são alteradas, modificando relações estáveis e consolidadas como sendo do conhecimento geral. Direito, nesse sentido, é segurança, porque traz previsibilidade; normas que mudam a todo o tempo demoram para ser assimiladas, quando o são.

É verdade que certas mudanças são saudáveis, mas outras decorrem dos caprichos de uma mentalidade industrial, que informa a quantidade da produção legislativa e jurisprudencial como dados a serem divulgados como currículo. Para Max Weber, a "máxima ética orientadora da vida" diz que é necessário trabalhar, e isso se tornou "uma ordem das coisas inalterável na qual o indivíduo deve viver". O Direito vem sendo regido por essa ética.

Já o desajustamento deliberado significa a insubordinação do sujeito, por um exercício axiológico, diante de um fato consumado e desagradável. Ele quer pagar um preço social, porque tem contas a prestar à própria consciência, à interiorização de valores que atravessaram penosos ritos de passagem, e que não pode ser descartada de uma hora para outra.

Por exemplo, os institutos do casamento e da família são marcados pela cultura, acima de tudo, com a nota da autopreservação: "nenhuma sociedade deseja extinguir-se; todas as sociedades procuram manter-se indefinidamente, a si próprias e às suas culturas", consoante o antropólogo Mischa Titiev. É muito necessário que haja uma série de regras sobre o assunto, e nem mesmo o relacionamento entre qualquer homem e qualquer mulher potencialmente reprodutivos é aceitável, porque a perpetuação da espécie é um assunto grave demais para ser deixado "ao acaso ou aos imperativos poderosos da pura biologia" (Titiev). Com muito mais razão, o chamado casamento gay é possível do ponto de vista jurídico-industrial, mas não sem um confronto violento com o fenômeno biocultural observável em todas as sociedades humanas - afinal, "os antropólogos nunca encontraram um grupo cuja forma de vida permitisse relações completamente desregradas entre os sexos" (Titiev), que dirá entre os mesmos sexos.

Casamento não é somente a associação carnal contínua, mas também o reconhecimento do casal pelos outros, a estimulação de ciúmes como garantia de exclusividade, o parentesco consangüíneo e a educação dos filhos.

Tudo isso pesa no teste da autoconsciência espiritual, porque as regras familiares permissivas mostram que o direito pode traduzir liberdade, moralidade e previsibilidade, como também confusão, éticas conflitantes e submissão forçada. Conforme a sentença de Miguel Reale, com a qual finalizamos, "no fundo, o jurídico é uma experiência, feliz ou malograda, de justiça, e, mesmo quando de bom êxito, tem sempre caráter provisório, tão infinita é a esperança de justiça que nos anima e nos impele através do tempo".

Jornal de Brasília

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