Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - Direitos humanos e saúde mental

MPDFT

Menu
<

Tânia Maria Nava Marchewka
Procuradora de Justiça do MPDFT e pesquisadora de assuntos relativos às pessoas portadoras de transtornos mentais

Ao tratar dos direitos do portador de transtorno mental, observamos a necessidade mais do que urgente de mudanças na legislação penal brasileira adequada à Lei 10.216/2001 e à Constituição Federal brasileira, algumas das quais necessitam de discussão. Todo o movimento da reforma sanitária e psiquiátrica no Brasil estimulou o legislativo a construir um conjunto de normas voltadas a dar efetividade aos dispositivos constitucionais que garantem a dignidade a todo ser humano, independentemente de higidez mental. Com o aumento dos movimentos sociais e a conseqüente organização da sociedade civil, que passa a lutar pelo sistema de saúde, por lazer, por leis mais protetivas de direitos, o tema ganhou relevância e passou a ocupar espaços maiores nas tribunas e na mídia. A Lei 10.216/2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, já representa um avanço, uma tentativa válida de emprestar dignidade e atenuar as limitações sociais e econômicas e as discriminações impostas aos portadores de transtornos mentais. Mas não eliminará todas as violências, intolerâncias e humilhações que eles sofrem. Por si só, a iniciativa da lei não passará de mais uma norma sem efetividade. A implementação das políticas de saúde mental exige que autoridades e demais cidadãos devam agir no sentido de afirmá-las.

De acordo com Maria Regina Rocha Ramos e Cláudio Cohen, na obra Considerações Acerca da Semi-Imputabilidade e Inimputabilidade Penais Resultantes de Transtornos Mentais e de Comportamento, a medida de segurança ao ser definida como privação de bens jurídicos imposta juridicionalmente pelo Estado com um fim reeducador ou curativo a pessoas socialmente perigosas em ocasião de cometimento de um crime, merece reparos, principalmente, porque não explicita o que seja pessoa perigosa, bem como, coloca a intervenção na personalidade e na moralidade do indivíduo como conduta objeto de repúdio, sendo que tal intervenção é obrigatória, caso queira alcançar o fim reeducador ou curativo mencionado na própria definição do instituto. Por outro lado, a medida de segurança é fruto do paradigma imposto pela Escola Positiva e, assim, essa idéia foi elaborada a partir do século XIX e permanece na legislação penal até os dias de hoje.

O atual Código Penal brasileiro que é de 1940, com a parte geral modificada em 1984, passou a aplicar a medida de segurança somente para os inimputáveis e semi-imputáveis considerados perigosos. Sendo assim, a medida de segurança impõe a privação ou restrição de direitos e acaba se tornando também retributiva e voltada para o passado, assim como a pena, pois ambas são aplicadas após a prática do crime.

O conceito de periculosidade, por sua vez, é dúbio no que tange a aplicação de sanção aos inimputáveis e semi-imputáveis. Tal observação justifica-se em virtude de estar em desacordo com o atual desenvolvimento científico, uma vez que já existem abrandamentos no que tange à assistência psiquiátrica, por exemplo, com a política pública de saúde mental inserida na Lei 10.216/2001. Sendo assim, seria razoável questionar: quais motivos racionais justificam de forma apropriada que uma parcela dos inimputáveis e semi-imputáveis fiquem privados dos direitos de liberdade e da saúde mental? Por um acaso, estaria sendo a modificação na legislação penal ainda encarada com preconceito? Além do mais, em terapêutica psiquiátrica, assim como em diversas áreas da medicina, é mais apropriado o conceito de controle da enfermidade do que a cura da enfermidade? Enfim, o conceito de medida de segurança bem como o de periculosidade suscita muitas discussões, tendo em vista a mudança de paradigma psiquiátrico diante de inexistência de evidências científicas no tratamento empregado na execução das medidas de segurança, como especial tratamento curativo.

Atualmente, no Brasil, está sendo discutido um projeto de mudança do Código Penal e do Código de Processo Penal. Uma das propostas é a eliminação da indeterminação das medidas de segurança, mesmo porque é considerada como contrária à própria Constituição Federal de 1988, significando, em alguns casos, prisão perpétua.

É de fundamental importância uma colaboração na construção de uma nova parceria na ordem global, que valorize e considere a cidadania e a dignidade humana em qualquer situação de vida, independentemente do status social da pessoa para que possa garantir os direitos fundamentais. Acredita-se que se a sociedade se erguer para defender essa minoria, essa prática por si só pode nos levar como um todo, a um nível social superior onde a indignação contra o desrespeito aos direitos humanos de qualquer tipo contra qualquer um crie um tal desconforto que a questão se resolva muito antes da mudança da legislação penal.

.: voltar :.