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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT 

O extinto jornal “Marmota Fluminense” fazia a brincadeira intelectual de apresentar um mote, em forma poética, para que seus colaboradores e leitores enviassem comentários. Em 1857-58, um desses motes questionava qual situação era pior: ser cego de nascença ou ter perdido a visão depois, “por desgraça”. 

Quem se engajou na polêmica foram duas pessoas que dividiam o mesmo prenome duplo, Joaquim Maria. Um era o maranhense Serra Sobrinho e o outro, o carioca Machado de Assis. Cada um defendia uma tese.

As exposições citavam Homero, Milton, Locke, Spinoza, Descartes, Malebranche, tudo salpicado de frases ou termos em inglês, francês e latim. Por mais que fossem mentes privilegiadas, estamos falando de jovens de 18 e 19 anos.

Respeitou-se até o recato típico do palavreado jurídico e seus rapapés, com os contentores se referindo um ao outro por “ilustre cavalheiro” e “ilustre adverso”. Eles não se conheciam pessoalmente mas se tornaram grandes amigos por correspondência.

Machado nunca colocou os pés em uma universidade (ele não tinha título escolar de nenhum nível, nem o fundamental) e Serra tinha ido para o Rio de Janeiro a fim de ser militar, do que desistiu por algum motivo desconhecido. Voltou a seu estado, trabalhou como jornalista, escreveu peças, poemou, foi professor de gramática e literatura, ingressou na política e na Academia Brasileira de Letras.

Acho que podemos dizer, sem saudosismo, que aquela era uma época em que o diploma não era o sucedâneo do conhecimento. O conteúdo das sustentações na Marmota talvez fosse ignorado por bacharéis de hoje com o triplo da idade dos Joaquins Marias.

Possivelmente os intelectuais atuais nunca foram obrigados a ler Locke, não se interessam nem sentem faltam de Locke na rotina de suas atividades, não sabem declinar se Locke ainda é ou não relevante. Alguma coisa aconteceu.

Jornal de Brasília - 15/9/2021

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