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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

No aclamado livro de Harper Lee, o promotor público, Mr. Gilmer, foi descrito como “careca, com a cara lisa, e qualquer idade entre 40 e 60 anos”. Era um pouco estrábico e parecia olhar para uma pessoa enquanto olhava para outra, o que “atormentava” jurados e testemunhas.

No também vitorioso filme baseado no livro, o ator que interpreta esse personagem é bem diferente. Tem e aparenta 40 anos, não é nada calvo nem vesgo. Mas, como no livro, corresponde ao imaginário popular da figura do promotor, a despeito de sua aparência física específica e do poder de mirar em duas direções ao mesmo tempo. Seu verdadeiro olhar se dirige a apenas uma, o da condenação.

E o acusado da história é condenado, efetivamente, por estupro, cuja prova é delicada porque desloca parte da pesquisa da culpa para a conduta da vítima (aqui, os dois olhares são inevitáveis e epistemologicamente salutares). Afinal, se a vítima concordou, não há crime. Estupro é conjunção carnal cujo consentimento foi anulado por violência ou grave ameaça.

Na vida real, essas variáveis nem sempre são de trama tão simples, e a dúvida beneficia o acusado, como ocorre em todos os processos criminais – mas não sem uma dose de histeria de quem nada conhece do assunto e muito menos as provas dos autos. Sabe o que sabe por ouvir dizer, o que não o impede de arrotar opiniões quase inexpugnáveis.

O leitor/espectador é levado a simpatizar com o réu e acreditar em sua inocência (o advogado foi brilhante). Mas há no contexto um componente decisivo, o racial: o réu é negro e a vítima é branca, o que, no sul dos EUA na década de 1930, significa punição infalível. O réu disse que não atacou a vítima, e sim que a ajudava em pequenos serviços domésticos e sentia “pena” dela. Mr. Gilmer não gostou. Pretos não podem sentir pena de brancos e promotores não podem sentir pena de réus.

 

Jornal de Brasília - 02/12/2020

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