Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - A cláusula de imprescindibilidade e o adiamento da sessão plenária

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Daniel Bernoulli Lucena de Oliveira
Promotor de Justiça do MPDFT

Introdução

Segundo o "Houaiss" [1], o verbete "prescindir" traz como sinônimos dispensar, o que se pode abstrair, passar sem, não levar em conta. Ferreira [2], por seu turno, ainda acresce outros significados: renunciar, pôr de lado, abrir mão.

Quando o Código de Processo Penal previu a existência da cláusula de imprescindibilidade quando da indicação de testemunhas para oitiva em sessão plenária, sua intenção pareceu ser a de incrementar a condição desse tipo de prova, permitindo à parte graduar a relevância de quem será ouvido, criando — assim — mecanismos para garantir, ao menos, meios mais eficazes de viabilizar a inquirição.

O presente ensaio tem o condão de apresentar uma visão panorâmica acerca do instituto, bem como de abordar controvérsias acerca de sua aplicação por ocasião do plenário do tribunal do júri.

Especificação de provas — a cláusula de imprescindibilidade

O artigo 422 [3] do Código de Processo Penal normatiza a fase da especificação da prova, momento em que as partes indicam diligências que entendem necessárias para a sessão plenária, dando, assim, início à preparação do julgamento de mérito.

Já o artigo 461 [4] do mesmo diploma legal menciona a possibilidade de que a oitiva da testemunha indicada na especificação de provas receba um carimbo, uma qualificação, a chamada "cláusula de imprescindibilidade".

Requisitos

Ante a redação legislativa, bem como diante dos contornos dados pela doutrina e jurisprudência, podemos admitir a existência de três requisitos mínimos para a implementação da cláusula de imprescindibilidade.

a) Menção expressa na fase da especificação

A cláusula de imprescindibilidade pode dizer respeito tão somente a uma das testemunhas arroladas, como também a todas elas, mas é preciso que a parte faça menção expressa quando da apresentação da petição prevista no artigo 422 já mencionado.

Além disso, eventuais testemunhas arroladas em momento posterior ao previsto em lei, caso sejam admitidas pelo juízo, não logram ostentar a condição de imprescindível, já que o dispositivo legal a elas correspondente é preciso em apontar o átimo processual em que elas serão admitidas.

b) Intimação da testemunha

O artigo 462 do Código de Processo Penal igualmente prevê a efetiva intimação da testemunha para que a cláusula de imprescindibilidade possa ser invocada na sessão plenária. Sem intimação, não há falar em aplicação de seu caráter indispensável.

Em contrapartida, mister as partes serem notificadas — em tempo hábil — do conteúdo das certidões advindas dos oficiais de Justiça, que relatam o cumprimento ou não da ordem de intimação judicial. Isso oportuniza a elas ainda a mobilização de seus últimos recursos no sentido de atualizar o endereço da testemunha e tê-la à sua disposição por ocasião do julgamento.

c) Endereço na comarca do julgamento

A cláusula de imprescindibilidade não tem o condão de ultrapassar a comarca do julgamento [5], eis que é absolutamente inexequível sua efetivação por meio de carta precatória, com juízos e estruturas de auxílio diversos (oficiais de Justiça e até mesmo agentes de segurança pública).

Marques Porto [6] considera inadequada inclusive a intimação — via carta precatória — da referida testemunha:

"Não tendo a testemunha — arrolada (...) — residente fora da comarca do julgamento pelo Tribunal do Júri obrigação de comparecer, escapa das partes direito à intimação para obrigatória presença na sessão de julgamento, e, por isso, pode ser entendido como não caracterizador de hipóteses de nulidade (...) o indeferimento da intimação".

No entanto, a fim de subsidiar cada vez mais elementos para o corpo de jurados, bem como possibilitar a plena defesa, a expedição da carta não parece ser uma cautela absolutamente inútil. Afinal, a testemunha pode entender por bem comparecer espontaneamente, pode-se organizar uma inquirição por meio de videoconferência ou as partes mesmas podem providenciar condições para sua vinda à sessão plenária.

É a lição de Lima [7]:

"O dever de comparecimento ao julgamento somente se aplica à testemunha que resida na mesma comarca onde é realizada a sessão. Apesar de haver certa controvérsia na doutrina, partilhamos do entendimento segundo o qual é plenamente possível a expedição de carta precatória para fins de intimação da testemunha que resida em outra comarca. Porém, insistimos, tal testemunha não é obrigada a comparecer ao julgamento, daí por que sua ausência não autoriza o adiamento da sessão, ainda que tenha sido arrolada em caráter de imprescindibilidade".

Nesse sentido, desde que haja o referido pleito, a testemunha poderá até ser intimada nos moldes do artigo 222 do Código de Processo Penal [8], mas se esvai dela o selo do caráter imprescindível.

Condução coercitiva e/ou adiamento da sessão?

Caso a testemunha imprescindível, devidamente intimada, não compareça, a lei previu duas providências:

"Artigo 461  Omissis
§1º. Se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente suspenderá os trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua condução.
§2º. O julgamento será realizado mesmo na hipótese de a testemunha não ser encontrada no local indicado, se assim for certificado por oficial de Justiça".

Esse é um dos exemplos em que a redação surgida a partir da Lei nº 11.689/2008 restou pior que a anterior, original do Código de Processo Penal de 1940 [9].

O novo texto induz o profissional do Direito a duas conclusões: a) o parágrafo segundo diz respeito ao caput, assim como o parágrafo primeiro; b) o parágrafo segundo diz respeito ao parágrafo primeiro.

Em se entendendo que ele se refere à cabeça do dispositivo, então, na hipótese de o magistrado determinar a condução coercitiva e ela se frustrar, o plenário se realiza.

De outro norte, se se considerar uma continuação do primeiro parágrafo, então a obrigatoriedade de seguir com o julgamento dar-se-á somente quando da realização da segunda sessão designada.

É bem verdade que, em comarcas grandes, metrópoles, é absolutamente impraticável uma condução coercitiva para o ato no mesmo dia, eis que a diligência levaria boas horas do dia para ser cumprida, protelando absurdamente o início do ato.

No entanto, em comarcas menores ou de médio porte, a providência torna-se factível.

Aproveitando-se desse entendimento, diversos magistrados vêm determinando a condução debaixo de vara e, caso ela não se perfaça, prosseguem com a sessão plenária, constando a irresignação da parte em ata.

Essa interpretação, com a devida vênia, não pode ser considerada a melhor.

O Poder Judiciário tem que ter em mente que o processo não é um fim em si próprio e que, se a parte indicou testemunhas, é porque suas oitivas são importantes. Quando ela reduz tais inquirições para cinco pessoas, o rol se torna ainda mais seleto. E, quando, ainda, ela promove tais testemunhas ao patamar da imprescindibilidade, isso demonstra a relevância que a produção — em plenário — dessa prova possui.

Avente-se a hipótese de uma parte haver indicado uma testemunha, mas sem o caráter imprescindível de sua oitiva. Ao chegar o dia do júri, a testemunha não comparece e a parte então requer sua condução coercitiva. O magistrado negaria tal providência? Jamais. Naturalmente, em caso de restar infrutífera a diligência, a sessão plenária se realizaria sem qualquer empecilho.

Diante desse contexto, pergunta-se: se, com ou sem a cláusula de imprescindibilidade, as providências ante uma testemunha intimada que não comparece são as mesmas, qual o sentido de tal qualificação existir?

Outrossim, o juiz da primeira fase do rito escalonado, ante a ausência de uma testemunha intimada, sói cindir o ato, remarcando uma continuação e determinando condução coercitiva daquele sujeito do processo.

É inconcebível que tal cautela seja justificada quando a prova se destina ao juiz togado e, em plenário, quando os elementos probatórios serão construídos para o juiz leigo, tal direito das partes reste amputado por um entendimento açodado.

Diante de tais argumentos, preferimos nos aliar à lição de Badaró [10]:

"Finalmente, o §2º do artigo 461 deve ser interpretado nos mesmos termos do artigo §2º do artigo 455, embora sua redação não seja tão clara. Se a testemunha arrolada em caráter de imprescindibilidade, com intimação por mandado, não comparecer, e o juiz tiver adiado o julgamento, no dia designado para a nova sessão, se a testemunha novamente não deixar de comparecer, o julgamento deverá ser realizado. Ou seja, o § 2º do artigo 461 deve ser interpretado à luz e com uma sequência procedimental do disposto na parte final do § 1º do mesmo dispositivo".

Pondera ainda Campos [11]:

"Em homenagem ao princípio da verdade real, nada impede, ao contrário tudo aconselha, que o presidente do Tribunal não seja tão rígido quanto quer a lei e determine o concurso policial ou a expedição de ofícios a órgãos públicos visando localizar o atual paradeiro da testemunha, marcando outra data para a realização do plenário. Claro que o magistrado apenas deve assim agir, se estiver convencido da importância do depoimento da testemunha não encontrada para o deslinde da causa".

A produção da prova testemunhal em sessão plenária deve ser sempre ponderada pelo juiz-presidente, pois suprimir informações para o corpo de jurados enseja grave violação do princípio da soberania dos veredictos.

Há ressaltar ainda que a boa vontade e o bom senso do magistrado — de igual modo — não podem servir de esteira para pleitos protelatórios, pois a sessão plenária é um ato complexo, que demanda diversos profissionais e pessoas colaboradoras (jurados, peritos, dentre outros), com altos custos a todos os envolvidos.

Nos dizeres de Torres [12]:

"É grave o problema de conciliar-se o interesse da Justiça, no pronto julgamento, e o das partes, na produção dos elementos probatórios, sem sacrifício destas, mas evitando os abusos de protelações indefinidas".

Nesse diapasão, compete ao juiz-presidente, por exemplo, verificar a relevância daquela oitiva, a viabilidade de trazer aquela testemunha em novo julgamento e até mesmo — diante da certidão do oficial de Justiça acerca da condução coercitiva frustrada — observar as razões pelas quais a testemunha não compareceu ao ato.

Nota-se que tal decisão não é tão simples e que o julgamento somente deve ser adiado em último caso (mas não em nenhum caso).

Considerações finais

A cláusula de imprescindibilidade é um instrumento utilizado pelas partes para alertar ao magistrado que as testemunhas por ela rotuladas são especiais e merecem maior atenção quando da instrução no dia da sessão plenária.

Para sua implementação, mister observar a existência de três requisitos: a) menção expressa na fase da especificação de provas; b) efetiva intimação da testemunha arrolada; c) indicação de endereço na mesma comarca.

A reforma de 2008 trouxe uma redação truncada acerca do procedimento a se adotar ante a incidência da cláusula de imprescindibilidade, mas o entendimento que entendemos deva prevalecer consiste em, uma vez intimada, caso a testemunha não compareça, o juiz tem duas opções: a) adiar o júri; b) determinar a condução coercitiva. Em se escolhendo a segunda hipótese e ela restando infrutífera, o plenário deve ser adiado e designada nova data. Agora, se, no segundo julgamento, a testemunha não comparecer, não há óbice para a continuidade do ato.

Por fim, tendo em vista o alto custo de uma sessão plenária e o desgaste na movimentação de todos os personagens que a compõem, incumbe ao magistrado avaliar com acuidade as circunstâncias de eventual pleito de adiamento, visando a identificar se haverá condições de aquela testemunha comparecer ao novo ato, ou seja, se o adiamento terá uma efetividade ou somente se trata de chicana processual.

Referências bibliográficas

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. As Reformas do Processo Penal, coord: Maria Thereza Rocha de Assis Moura, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

CAMPOS, Walfredo Cunha. O Novo Júri Brasileiro. São Paulo: Primeira Impressão, 2008.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal – volume único, Salvador: JusPodivm, 2014.

MARQUES PORTO, Hermínio Alberto. Júri: Procedimentos e aspectos do julgamento: questionário. São Paulo: Saraiva, 2005.

TORRES, Magarinos. Processo Penal do Júri no Brasil, São Paulo: Quorum, 2008.

[1] Cf. HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2291.

[2] Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1387.

[3] Artigo 422 — Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência.

[4] Artigo 461 — O julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422 deste Código, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização.

[5] Nesse sentido o HC 82281, Rel. Min. Maurício Correia, Segunda Turma, STF, julgamento em 26/11/2011, publicado no DJE do dia 01/08/2012.

[6] MARQUES PORTO, Hermínio Alberto. Júri: Procedimentos e aspectos do julgamento: questionário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 319.

[7] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal – volume único, Salvador: JusPodivm, 2014, p. 1324.

[8] Artigo 222 — A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

[9] Artigo — 455. Omissis
§1º. Se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz suspenderá os trabalhos e mandará fazê-la pelo oficial de Justiça ou adiará o julgamento para o primeiro dia útil desimpedido, ordenando a sua condução ou requisitando à autoridade policial a sua apresentação.
§ 2º. Não conseguida, ainda assim, a presença da testemunha no dia designado, proceder-se-á ao julgamento.

[10] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. As Reformas do Processo Penal, coord: Maria Thereza Rocha de Assis Moura, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 155.

[11] CAMPOS, Walfredo Cunha. O Novo Júri Brasileiro. São Paulo: Primeira Impressão, 2008, p. 139.

[12] TORRES, Magarinos. Processo Penal do Júri no Brasil, São Paulo: Quorum, 2008, p. 373.

Revista Consultor Jurídico - 17/9/2020

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