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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

A tese de Roger Scruton é a de que degustações de vinhos às cegas não funcionam. São "enganosas", pois o que se apreende não é o sabor da bebida, considerado em si mesmo. O significado de um objeto só é apreendido "se temos a cultura e a fé para lhe conferir". Para o inglês, não saber o que se está tomando é como beijar uma mulher de olhos vendados, ou julgar um poema chinês pelo som, sem entender o idioma.

Esse raciocínio faz lembrar um verso de um conterrâneo seu, William Blake, segundo o qual "Innocence dwells with Wisdom, but never with Ignorance" ("Inocência convive com Sabedoria, nunca com Ignorância").

Numa degustação às cegas que vi na internet, um vinho ordinário, disponível no mercado da esquina, obteve a segunda melhor nota, superior às de concorrentes incomparavelmente mais caros e famosos. Os jurados não sucumbiram. Ao contrário, aplaudiram quando a marca e o preço foram revelados. Reconheceram a qualidade e a surpresa pareceu sinceramente gratificante. Afinal, não era o trabalho deles que estava em jogo - e, assim, o risco de se ser desmascarado como um pseudo-entendedor no assunto - e, sim, o valor intrínseco de um produto agrícola bastardo, colocado sem nenhuma solenidade em uma prateleira qualquer.

Volta a questão: valor intrínseco se conjuga com conhecimento ou desconhecimento? Em qual dos dois se encontra a "inocência" de um bom vinho, aquilo que deveria ser estimado do fundo de sua decantada pureza, sob o olhar da eternidade? Vamos fazer uma inversão. Vamos imaginar que os jurados é que deveriam estar cobertos pelo véu da ignorância, como Temis, a deusa-símbolo da Justiça. Temis não foi vendada por ser cega, como insiste o ditado.

Bom enólogo e bom gnoseólogo, o professor Scruton não quer saber de nada disso. Quer cultura e fé. Quer informação. Mulheres e vinhos merecem e precisam ser detalhados quanto ao ano da safra e quanto ao solo, solo esse que é mais céu do que terra.

Jornal de Brasília

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