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Inácio Pereira Neves Filho
Promotor de Justiça do MPDFT

O atual estágio da democracia brasileira tem se notabilizado por importantes conquistas sociais jamais experimentadas pela sociedade, num reconhecimento do que se denominou chamar de dignidade da pessoa humana. Em que pese essa constatação, percebe-se que há uma enorme distorção na compreensão e alcance de vários temas, entre eles, as liberdades individuais, as quais vem adquirindo contornos de extrema subjetividade.

Na realidade, há uma tendência crescente da inversão de valores no manejo dos direitos e garantias individuais, os quais hão de serem observados à luz dos demais princípios estabelecidos na constituição federal, tendo como baliza os fins sociais a que a lei se destina e as exigências do bem comum, tal como definido na Lei de Introdução ao Código Civil (art. 5º).

Recentemente, li um artigo publicado pelo desembargador Rizzatto Nunes, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual o magistrado critica veementemente as blitzes no trânsito e acusa os meios de comunicação de darem importância demasiada ao assunto, o que, a seu ver, fere o real Estado Democrático de Direito. No artigo, intitulado "A lei seca e o direito do cidadão-consumidor de se locomover", afirma o autor - que é mestre e doutor em Filosofia do Direito pela PUC/SP - que, do ponto de vista jurídico, essas abordagens no trânsito estão longe de serem corretas e que, numa democracia, ninguém é suspeito até agir como tal. E, finaliza perguntando: "Dirigir um veículo é uma atitude suspeita?".

Ora, qualquer estudante de Direito sabe que a abordagem ao condutor do veículo não tem como fundamento apenas a suspeição do motorista em ter praticado algum crime, mas diversas outras finalidades como, por exemplo, aferir a regularidade da documentação do veículo para fins de tráfego, as condições de trafegabilidade do próprio veículo, o transporte irregular de passageiros e cargas, entre outros.

Em seu texto, o renomado autor faz o seguinte questionamento: "De onde o Estado extrai o direito de evitar a locomoção de um pai de família que sai para jantar com sua esposa ou filhos?" Eu pergunto: Desde quando, nas abordagens, o Estado está impedindo a locomoção de pessoas? Ser parado numa blitze significa "evitar a locomoção de pessoas" ou "aferir as condições legais de trafegabilidade do veículo e dos passageiros?" O autor chega ao cúmulo de sugerir abuso de autoridade praticado pelos policiais responsáveis pelas abordagens e, inclusive, por omissão, por parte dos agentes que eventualmente procederem à autuação em flagrante e não soltarem o condutor em caso de embriaguez ao volante.

É sabido que o alarmante índice de crimes praticados no trânsito não se resolve só com as blitzes, pois a questão envolve outros pontos como a falta de educação, respeito ao próximo, disciplina para a vida em sociedade, mudança dos padrões de consumo de bebida alcoólica, limitação da publicidade e dos pontos de venda e o aumento da potência dos veículos.

Uma coisa é sentir-se incomodado ao ser parado numa blitze, outra é, em razão disso, tachar de ilegal e abusiva a abordagem. Essa indignação tem a ver com o egocentrismo e a dificuldade de abnegação de algumas pessoas que não se dispõem a colaborar com o poder público no cumprimento de seu dever de organizar minimamente a sociedade. Esses princípios morais - claro, aprende-se no seio familiar, não nos bancos da faculdade. Ser intelectual, filósofo ou jurista, nem sempre significa ter comportamento ético e moral razoável.

O real Estado Democrático de Direito que a sociedade almeja é aquele capaz de promover o crescimento do indivíduo enquanto integrante de uma sociedade igualitária, justa e fraterna, e não uma evolução humana deturpada como se tem compreendido o conceito de "dignidade da pessoa humana", elevando-a a um extremoso individualismo.

Penso que alguns políticos, intelectuais e até juristas modernos, tem prestado um desserviço à nação quando, sob o manto do princípio da presunção de inocência, têm feito verdadeira apologia ao "tudo é permitido". Exemplo bem atual é o interesse desenfreado do ex-presidente FHC em defender publicamente a liberação do uso da maconha. Mas, isso é de fácil compreensão: proferir palestras contra o uso de drogas pouco interesse desperta no eleitor. O discurso pró-drogas, não só coloca o ativista diariamente na mídia, como aumenta o seu eleitorado e engorda o seu cachê. Outro péssimo exemplo é o do ex-presidente Lula com suas patéticas piadinhas. Em um palanque com a então candidata Dilma no interior de Goiás, depois de pedir votos pra ela, cobrou que em suas visitas ao Estado nunca lhe deram de presente uma garrafa de pinga, pois, ao sair da presidência iria deitar numa rede, acender um cigarro de palha e tomar um litro de cachaça. Os eleitores caíram na risada e, seguindo o exemplo do ídolo, mergulharam na danada da cachaça, alguns indo dormir na cadeia naquela noite. Lula, ao contrário do que disse, continuou fumando seus charutos e tomando seus requintados uísques; sendo desnecessário informar ao leitor no que esses seus vícios resultaram à sua saúde.

É de se questionar o verdadeiro móvel desses artigos liberais da modernidade, já que o conteúdo, muitas das vezes, revela uma típica advocacia em causa própria. A verdade é que essa gente fina não gosta de ser incomodada saindo dos luxuosos restaurantes e bares dos bairros nobres das grandes cidades, por isso, nada melhor que um bom texto, recheado de fundamentos jurídicos, para (veladamente) defender uma opinião que interessa mais a quem escreveu do que à própria sociedade. Enfim, a eficácia da Lei Seca encontra óbice não só na má vontade dos motoristas mas, principalmente, em razão do estímulo à desobediência no cumprimento da lei, vindo de quem - pela posição que ocupa no cenário jurídico - deveria dar o exemplo.

Diário da Manhã - Goiânia

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