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Dênio Augusto de Oliveira Moura
Promotor de justiça do MPDFT

Quem escolheu esta cidade para viver certamente entende o que Sérgio Sampaio quis dizer quando compôs a música Brasília, de 1993: 'Quase que me sinto em casa em meio a suas asas e 'dáblius' e 'eles' e eixos e ilhas, Brasília. Cidade que um dia eu falei que era fria, sem alma, nem era Brasil. Que não se tomava café numa esquina, num papo com quem nunca viu. Sei que preciso aprender, quero viver pra saber e conhecer Brasília'. Foi o que senti quando cheguei aqui, aos 11 anos de idade. Mas o espanto inicial foi logo substituído por uma admiração que perdura até os dias de hoje. Mesmo o Cerrado, que em princípio me pareceu estranho, com suas árvores tortas e ásperas, aos poucos me revelou uma beleza singular, eu diria refinada, para quem sabe enxergá-la.

Diante da absoluta falta do que fazer, não restava à juventude local outra escolha senão apelar para a criatividade, o que talvez explique o fato de Brasília ser o berço de artistas, atletas e intelectuais famosos, forjados na aridez e na diversidade de um lugar criado para abrigar pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo.

Para circular à época, nada mais natural que pegar o Grande Circular, que até hoje faz o giro completo nas Asas Sul e Norte, pelas vias W3 e L2. A bicicleta era outra companheira inseparável para o ir e vir. De vez em quando um pai caridoso enchia o carro de adolescentes e levava para o cinema, o clube, a Água Mineral, as festinhas em casas de amigos ou para os raros shows de música. Shopping, só o Conjunto Nacional. O Lago Paranoá, acreditem, era impróprio para banho, de tão poluído, e as invasões ilegais de sua orla, que impediam o acesso ao espelho d'água, já eram eufemisticamente chamadas de ocupações irregulares. Taguatinga, onde minha avó paterna morava, ficava muito longe, e as estradas-parque, como a EPTG, eram realmente cercadas de árvores em toda a sua extensão. Carro parando na faixa para pedestres, uma marca atual da cidade, nem pensar. Porém, o Eixão já cumpria a trágica função de dividir a cidade ao meio para os não motorizados, além de ser palco de inúmeras mortes por atropelamento, com suas passagens subterrâneas inóspitas e perigosas. Outro aspecto que não mudou muito foi a dependência dos habitantes locais do automóvel.

Com o tempo, a cidade foi adquirindo identidade própria. Dizem que até sotaque nós já temos, uma mistura de vozes nordestinas, mineiras, cariocas, paulistas e outras tantas. A Capital do Rock, hoje é também do samba, do choro, do hip-hop e muito mais. Os primeiros sinais da idade apareceram e, junto com eles, a complexidade de uma metrópole pulsante, com aproximadamente 3 milhões de habitantes, cujos municípios vizinhos já integram uma mesma mancha urbana, com problemas de desigualdade, de violência e de mobilidade.

É bem verdade que o planejamento que marcou o início da nova capital anda esquecido. Infelizmente, o Plano Piloto é hoje cercado por loteamentos clandestinos, 'condomínios' fechados e invasões de áreas públicas, espaços agrícolas e de proteção ambiental. O próprio desenho urbano da cidade sofreu agressões absurdas ao longo dos anos, fruto de concepções equivocadas e de políticas ditadas exclusivamente pelo interesse econômico e eleitoral.

Por que preservar Brasília? Porque ela é única. Um testemunho vivo da história da humanidade, com os seus erros e acertos. Apesar dos avanços e retrocessos, meu carinho por esta cidade me faz acreditar que é possível encontrar o equilíbrio entre a preservação e o aperfeiçoamento desta obra magistral.

Parabéns, Brasília!! Como diria o saudoso seu Reginaldo Silva, meu avô emprestado, fã de JK e de sua mais famosa criação, ao se referir a uma jovem senhora de 64 anos: uma menina!

Correio Braziliense - 21/4/2024

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