Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Respondendo sem delongas à pergunta-título: direitos são coisas de que se gosta e deveres, de que se desgosta. Direitos são delícias e deveres são aporrinhações. Direitos são sorvetes e deveres são purgantes.
Vamos sofisticar esse rudimento, que parece ter entrado pelos olhos do imaginário e ficado em sono profundo. Tantas pessoas preferem ser impulsionadas pelas obrigações, não pelos privilégios. Para elas, há uma justaposição indevida de juízos de valor (e também de juízos de realidade recíprocos), pois o certo não é o prazer, mas aquelas razões declinadas pelo presidente Kennedy para justificar a viagem à Lua e “fazer as outras coisas” ainda na década de 1960. Entre quentar na preguiça da cama e enfrentar o dia despontado, elas tomam fôlego e seguem mesmo que não tenham “nada” para fazer, que não “precisem” estudar ou que a empregada já chegou para resolver o problema da louça.
Ortega y Gasset aponta para as duas religiões que compõem o budismo ortodoxo, o rigoroso Mahayana e o mais banal Hinayana. E avisa: “o decisivo é o fato de dirigirmos nossa vida para um ou para o outro veículo, para um máximo de exigências ou para um mínimo”.
O naipe da sociedade que se constrói será a soma das tentações resistidas pelos indivíduos. Os brasileiros nos sentimos atordoados quando descobrimos que não há lixeiras nas ruas do Japão e as escolas não contam com faxineiros, mas não seguimos o exemplo. Muitos nipônicos vieram morar aqui em definitivo e bastava imitá-los, o que esquecemos de fazer. Os trens e robôs por eles desenvolvidos obedecem a princípios tecnológicos que são, na verdade, um estilo de vida.
Direitos e deveres, no sentido jurídico, são frutos das leis. E as leis são fruto do Estado. Até o simples existir é uma concessão do poder público. A pergunta-título precisa ser deslocada para o pálio dessa noção propedêutica.
Jornal de Brasília - 7/2/2024
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