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Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

Em um quadro do filme “O fantasma da liberdade”, de Buñel, sujeito pega um rifle, posta-se no topo de um edifício e sai disparando aleatoriamente contra transeuntes. É preso e julgado. Ao ser proclamada sua comezinha condenação, as algemas são retiradas, ele é liberado e sai pela porta da frente do fórum, com tapinhas nas costas, aclamado como um belo herói.

Na densa e opaca floresta jurídica, as coisas nem sempre fazem sentido óbvio e constatar isso não é algo que se aplique apenas à vivência forense que poderíamos acoimar de “normal”, pois abarca a própria espontaneidade pessoal e cotidiana: aquela em que o motorista pára no sinal vermelho mesmo quando não há câmeras nem guardas à espreita. Se resolve atravessar o sinal, ele pode ou não ser multado; se não atravessa, não acontece nada. Com o sujeito do rifle é o mesmo. Se ele aperta o gatilho, vai preso; se não aperta, não acontece nada.

Um processo judicial é uma oportunidade para acessar os fatos que constituem o seu objeto, a serem avaliados pelo tirocínio de pessoas que não os viram e não ou mal conhecem os locais e os personagens. É também uma chance de apurar as razões que levaram meras hipóteses a se materializar. A lei existe para domesticar o gatilho que não deveria ter sido acionado, mas o foi e algo se modificou no mundo físico.

Por baixo da moralidade intrínseca que determina que os motoristas parem no sinal vermelho, repousa uma ideologia mais sólida – ou menos infantil, que busca recompensas e se permite perseguições -- da opinião pública à guisa de “horror vacui”, a ver nos semáforos um motivo de acatamento porque os humanos compartilham os espaços da rua e precisam forjar mecanismos para que isso seja o menos desagradável possível. As leis podem mudar se não forem boas, isso acontece o tempo todo. O matagal jurídico fosco e fechado é que não tem saída.

Jornal de Brasília - 17/1/2024

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