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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Quando vejo exigências de “comprovação científica” para isso ou aquilo, lembro-me de Simão Bacamarte, médico de prestígio, com formação em Coimbra e Pádua, requisitado para ocupar reitoria universitária ou servir a monarquia portuguesa. Ele optou por se instalar em Itaguaí-RJ, com um propósito específico, o estudo da patologia cerebral, e um projeto inovador, consistente na instalação dos loucos da região em um único estabelecimento. A remuneração caberia à família ou, em caso de pobreza, ao governo.

Dr. Bacamarte, aos 40 anos, elegeu como esposa Evarista da Costa e Mascarenhas, 25, viúva, como boa personagem machadiana. Ela não fora escolhida por questão de beleza nem de simpatia, e sim porque “reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem”, as “únicas dignas da preocupação de um sábio”. A saber: “digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista”. Com tais atributos, poderia dar ao pretendente herdeiros “robustos, sãos e inteligentes”.

Aliás, o fato de D. Evarista ser “mal composta de feições” não era um inconveniente; era, ao contrário, um aspecto positivo, pois assim Dr. Bacamarte “não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte”.

Ao cabo de alguns anos, D. Evarista não procriou e, após “estudo profundo da matéria”, com a leitura de escritores árabes e consultas a faculdades alemãs, foi-lhe receitado um “regime alimentício especial”: nutrição exclusiva de carne suína. Sem êxito, todavia.

Tudo isso é matéria ficcional, mas a fé na ciência qual um Pigmalião que venera genuflexo sua obra, em vez de compreendê-la como um processo de superação e conquista da realidade sine ira et studio, nada infenso a superstições curiosas ou interesses mesquinhos - bem, isso está em vigência mais do que nunca.

Jornal de Brasília - 8/7/2020

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