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Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

Alguém pode ter ficado intrigado com a intimação da Justiça para que o presidente da República apresentasse exames feitos para detectar a hipótese de Covid 19. E mais: que os resultados tivessem sido amplamente divulgados. Vejamos o trato legal do tema.

Questões de saúde, em regra, são íntimas. Nem mesmo o atestado médico deve consignar o código da doença, a menos que o paciente o autorize expressamente (Resolução CFM 1685/2002). Isso porque o documento pode ser analisado por um sem número de pessoas, que indiscretamente verão que alguém é portador de uma moléstia talvez constrangedora.

Acontece que existe um crime previsto no artigo 132 do Código Penal, que tipifica a conduta de “expor a vida ou saúde de outrem a perigo direto e iminente”. Se o sujeito sabe que tem o vírus corona e espirra de propósito no rosto de outra pessoa, ele comete o crime, pois o perdigoto expõe a vida ou saúde do espirrado a perigo direto e iminente; se for contaminado e sofrer lesões graves ou morrer, as penas são aumentadas (artigos 258 e 285). Mas a mera exposição, por proximidade, de alguém que (1) é portador de um germe contagioso e (2) sabe disso, já pode caracterizar o delito.

Portanto, é possível sim a requisição judicial de relatório médico ou exame laboratorial. O presidente não pode alegar que goza da mesma privacidade de uma pessoa comum, simplesmente porque isso não é verdade. Quando ele sai na rua, isso gera tumultos e aglomerações e quando um anônimo sai na rua, não há aglomerações nem tumultos de nenhum tipo. Essa diferença fática se reflete no trato jurídico.

O problema aqui é o contexto. O presidente não aparentava sintomas. Não ficou, digamos, três ou quatro dias sem agenda, ou compareceu a uma solenidade mal disposto e tossindo. Ele foi tratado como suspeito de um crime sem que sua atitude transparecesse suspeita nenhuma.

Jornal de Brasília - 3/6/2020

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