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Raoni Parreira Maciel
Promotor de Justiça do MPDFT

O Tribunal do Júri, bem como sua competência para julgar os crimes contra a vida e a soberania de seus vereditos, está previsto no rol dos direitos e deveres individuais e coletivos positivados na Constituição de 1988. Trata-se de uma garantia peculiar, de matiz complexo. Garante ao acusado de cometer crime contra a vida o direito de ser julgado por seus pares e não pelo Poder Judiciário. Garante, ao mesmo, o direito popular de julgar soberanamente esses crimes.

O Código de Processo Penal (CPP) foi positivado pelo Decreto-Lei 3.689 em 1941, durante o Estado Novo. O procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri foi substancialmente alterado pela Lei 11.689/08, numa primeira tentativa de adaptá-lo à ordem Constitucional de 1988. Essa primeira tentativa alcançou bons resultados, e agora o projeto de lei anticrime proposto pelo ministro Sérgio Moro caminha na mesma direção.

Na redação atual, o artigo 492, inciso I, alínea 'e' do CPP prevê que, em caso de condenação pelo Tribunal do Júri, o juiz presidente determinará a prisão somente quando presentes os requisitos da prisão preventiva. Ou seja, segundo a disposição infraconstitucional ainda vigente, a decisão do Tribunal do Júri não gera quaisquer efeitos práticos imediatos. Ao contrário, a regra é que, mesmo condenado por seus pares em decisão que a própria Constituição diz ser soberana, o acusado sairá do plenário do júri pela porta em que entrou. Livre e ao lado dos seus concidadãos que acabaram de o considerar culpado.

Trata-se de previsão legal que contraria frontalmente a ordem constitucional vigente, e em boa hora propõe-se sua correção. Afronta a Constituição Federal e seu espírito democrático que as decisões tomadas pelo povo, reunido em Conselho de Sentença, sejam tratadas como as decisões do juiz togado singular.

Essa distinção fundamental, principiológica, entre as decisões dos juízes togados e as decisões dos jurados reunidos em Conselho de Sentença, por vezes escapa aos intérpretes e operadores do direito. Pois é justamente em decorrência da soberania dos vereditos que, na discussão peculiar da efetividade das decisões do Tribunal do Júri, não cabe falar em ofensa ao princípio da não culpabilidade. É que os princípios da não culpabilidade e da soberania dos vereditos têm a mesma dignidade, estão previstos no rol de direitos e deveres individuais e coletivos e, portanto, um não pode se sobrepor ao outro. Os dois princípios precisam ser harmonizados.

O projeto anticrime enviado ao Congresso prevê que o artigo 492, inciso I, alínea 'e' do CPP passaria a autorizar que o juiz presidente, em caso de condenação pelo Tribunal do Júri, ordene o imediato cumprimento da pena. Positivada a norma, teremos enfim a adequação do processo diante do Tribunal do Júri ao espírito democrático da Constituição de 1988.

É importante frisar que o julgamento em sessão plenária somente ocorre após esgotado todo o processo penal ordinário. Há o recebimento da denúncia, a audiência de instrução com contraditório e ampla defesa, e, por fim, uma decisão de pronúncia, exarada pelo juiz presidente, que reconhece os indícios de autoria e a prova da materialidade. Contra essa decisão de pronúncia cabe ainda recurso em sentido estrito ao Tribunal de Justiça. Somente após a confirmação da decisão é que a causa é submetida aos jurados.

Ou seja, antes de ocorrer o julgamento, quando o povo dá sua decisão soberana, o Poder Judiciário já terá atuado para garantir o devido processo legal, inclusive com respeito ao duplo grau de jurisdição. Na sessão plenária, ao réu ainda é garantida a plenitude de defesa, que permite inclusive veiculação de teses absolutórias não previstas em lei.

Dessa forma, aprovado o projeto, ficarão igualmente prestigiados esses dois importantes princípios constitucionais. A presunção de não culpabilidade garante ao acusado o direito de responder ao processo solto, quando não houver motivo cautelar de prisão, e assegura-lhe o respeito ao devido processo legal, com os recursos a ele inerentes. Diante do Tribunal do Júri o acusado chega inocente como determina a Constituição Federal. Condenado pelo tribunal popular, porém, cessa seu estado de inocência em obediência à soberania dos vereditos.

Reunido em Conselho de Sentença para julgar os crimes contra a vida, o povo exerce seu poder diretamente. É a democracia em seu sentido mais estrito. Garantir por meio de lei a imediata eficácia dessa decisão será um grande avanço do legislador.

Estado de Minas - 5/4/2019

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